07 novembro 2019

Ousadia e emoção


Equilíbrio instável
Tostão, na Folha de S. Paulo

No último sábado (2), vi, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte, uma retrospectiva do pintor suíço Paul Klee, com o título "Equilíbrio Instável".
Nas últimas décadas, a palavra que mais escutei dos treinadores brasileiros foi equilíbrio, entre defender e atacar. A segunda foi recomposição. Os técnicos sonham com o equilíbrio e a recomposição perfeitos, a chave mágica, segundo eles, para o sucesso.
O equilíbrio é também o grande desejo de muitos profissionais e pessoas sérias, pragmáticas e utilitárias. É uma ilusão. O ser humano, mesmo quando não percebe, vive em conflito permanente, entre a ambição e a razão, entre o equilíbrio e o desequilíbrio, entre o sonho e a realidade. Vive em um instável equilíbrio ou em um estável desequilíbrio.
Alguns poucos treinadores, como Guardiola, Klopp, Jorge Jesus e Sampaoli, flertam com o desequilíbrio, com a busca por algo diferente, surpreendente. Querem vencer e brilhar, encantar. Mais que isso, acreditam que a maior eficiência está na ousadia, na pressão em quem está com a bola, para recuperá-la perto do outro gol, mesmo correndo mais riscos. Eles se preparam para isso.
O explosivo Klopp, técnico do Liverpool, disse que, hoje, mais importante que o camisa 10, o clássico meia de ligação, é a recuperação da bola perto do outro gol.
Já a maioria dos treinadores brasileiros e de todo o mundo, e não apenas Carille, o bola murcha da vez, depois de ser excessivamente badalado, aposta na prudência, no equilíbrio sem aventuras, priorizando a marcação mais recuada e o contra-ataque. Querem defender e atacar bem, mas, com frequência, não conseguem, por falta de qualidade e pela impossibilidade de chegar à frente com muitos jogadores, pois recuperam a bola muito longe do outro gol.
Existem times e treinadores bons e ruins nos dois estilos. Eles ganham e perdem. Dependem muito do talento dos atletas. Ancelotti e outros técnicos conservadores são brilhantes e vitoriosos. Mano Menezes é um bom treinador. Como disse Paulo Vinícius Coelho, não há verdades definitivas.
A França, campeã do mundo, tinha um técnico excessivamente pragmático e prudente, Didier Deschamps. O time priorizou a marcação e o contra-ataque, embora a principal razão da conquista tenha sido a de que a seleção francesa tinha mais craques que as outras.
Carille tentou fazer, sem sucesso, na segunda passagem pelo Corinthians, o mesmo que fez na primeira.
A diferença principal é a qualidade dos jogadores. Insistem, para justificar a malhação ao técnico, que o elenco é bom, melhor que o do Santos e o de outras equipes que estão à frente. Se o Corinthians tivesse um meio-campo com Sánchez e Pituca, dois atacantes pelos lados, como Soteldo e mesmo o irregular e doidinho Marinho, além de um lateral-esquerdo, como Jorge, estaria muito bem. Insistem também em dizer que Júnior Urso brilhou no Atlético. Parei!
Sampaoli e Jorge Jesus, além de serem ótimos treinadores, dão boas entrevistas, com detalhes técnicos, táticos e humanos. São também críticos à organização do futebol brasileiro. Coincidentemente, os dois são estrangeiros. São também emotivos, explosivos, o que não tem nada a ver com a nacionalidade.
Mais interessante foi o beijo dado por Jorge Jesus no rosto de Bruno Henrique, suado, na saída do gramado, em um gesto afetuoso, de agradecimento e de elogio. Jorge Jesus é mais que um treinador.
[Ilustração: LS]
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