Governo Bolsonaro-Guedes
é o tempo sombrio de uma caverna sem luz
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
Nas primeiras vezes, há não sei quantos anos, em que encerrei
uma crônica com intimidade, nos votos de ano bom ou
dando férias aos leitores no início das minhas, aqui na casa a coisa não caiu
bem. Flávio Rangel, cronista de sucesso na Ilustrada e meu introdutor nestas
páginas, me dava as notícias divertidas das críticas.
A Folha era,
ou é, um jornal compenetrado, de acordo com a índole local. Quanto a mim, era e
continuei visto, entre outros, como um forasteiro da
imprensa. Mas não poucos adotaram as mensagens informais.
Não incluí votos de Natal e de Ano-Novo, nem mesmo sisudos, nos
textos recentes. Senti que, sem ressalvas, cometeria alguma hipocrisia, não
crendo na possibilidade do que diria. E ressalvas não eram próprias para a
ocasião. Não duvido de que parte das previsões otimistas para 2020 venha de
convicções e esperanças verdadeiras —o que, em todo caso, não se confunde com
fundamento. Não foi assim, porém, a maioria do que se leu e ouviu.
A sinceridade não é bem vista, com escassas hipóteses de
exceção. Esse é um vício forte e muito difundido do jornalismo, não só o nosso.
Os viciados constrangidos recorrem à dubiedade, ao negativo seguido da
compensação positiva. Nada os impedindo, nem aos mais extremados, de mostrar
nas suas relações o oposto do que escrevem ou dizem como profissionais.
A economia é
um campo pródigo nesses tipos, muito mais extenso e nefasto do que qualquer
outro. Nem por isso a prática é menos comum na política.
Nestes dias, um exemplo à mão: a imprensa e o jornalismo
eletrônico dos Estados Unidos estão repletos de artigos críticos a Trump, pelo risco de
guerra que abriu para provável neutralização do seu
impeachment, mas também justificadores da pretensa defesa da honra nacional, ou
coisas assim. “Tudo é relativo”, ouve-se cá e lá. Mentira. A integridade
profissional, entre outras, não é.
As obrigações e programas sociais de governo foram devastados em
2019 e ainda mais esmagados por Paulo Guedes e Jair Bolsonaro no
planejamento para 2020. O Bolsa Família perde
R$ 2,5 bilhões. Foram reduzidos à metade os insuficientes recursos para
fiscalização trabalhista, sendo o Brasil um caso escandaloso de desrespeito às
normas e à segurança no trabalho.
O programa de Educação de Jovens e Adultos só recebeu em 2019 R$
16 milhões até meados de dezembro, 1,6% do que já recebia em 2010, chegando em
2012 a R$ 1,6 bi, com fantástica recuperação de jovens e adultos que deixaram a
escola.
A Presidência da República, que concentra a direção de toda a
propaganda governamental, faz publicidade na CNN do avanço no programa de
moradias proporcionadas pelo governo. É mentira. A verba para 2020 foi reduzida
à metade da fixada para 2019, já cortada.
A saúde, o ensino universitário, o emprego, a cultura, o
patrimônio histórico, a remuneração do trabalho, a conservação e a fiscalização
ambiental, a infraestrutura, o saneamento, a população indígena —tudo isso,
tudo o que importa para o presente e o futuro da nação e seu povo, foi
devastado, abandonado, negado, traído em 2019, e está ainda mais roubado ao
país no planejamento oficial do governo para 2020.
Votos de um ano feliz sob esta realidade e esta perspectiva
exigem uma ponderação. Diretos, pessoais, são expressões de sentimentos
afetuosos ou cordiais. É tão bom dizê-los como os receber. Ditos de público,
sua generalização confunde-se com o próprio país. No caso, o país que se antevê
frustrado, fracassado, demolido.
Há quatro meses, o ministro Celso de Mello,
decano do Supremo, advertia: “Um novo e sombrio tempo se anuncia”. É
nele que estamos. Por tudo o que o governo Bolsonaro-Guedes faz e começa a
ampliar, nosso tempo sombrio não é sequer aquele do túnel, porque então haveria
luz no seu fim. É no tempo sombrio de uma caverna que entramos.
[Ilustração: Frantisek Kupka]
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