29 fevereiro 2020

Falastrão e em apuros


Trump entrega o vírus a Deus e aciona máquina fake para salvar reeleição
Luiz Carlos Azenha, Viomundo

As similaridades entre Donald Trump e Jair Bolsonaro são tantas que algumas frases deste texto poderiam ser transplantadas para a realidade brasileira sem tirar uma vírgula.
Trump é um falastrão, que por conta própria estabeleceu as variações da bolsa de valores como barômetro de seu governo.
Bolsonaro promete a reconstrução do Brasil de cima a baixo, mas de prático só produziu um Pibinho que ele próprio já disse ao ministro da Economia não ser suficiente para a reeleição em 2022.
A obsessão de ambos, Trump e Bolsonaro, é “reeleição acima de tudo”.
Favorito nos Estados Unidos, de repente Trump se vê diante de uma ameaça real: uma recessão que tornaria muito mais difícil sua empreitada.
O problema imediato é o coronavírus.
Na entrevista coletiva em que indicou o vice-presidente Mike Pence como czar para a emergência, Trump chegou a sugerir que os Estados Unidos, então com 15 casos confirmados, poderiam se ver livres da epidemia de um dia para o outro, como num passe de mágica.
Puro wishful thinking.
Os americanos dispõem de duas instituições de grande credibilidade para enfrentar o problema: o National Institutes of Health (NIH) e o Centers for Disease Control (CDC).
Assim que assumiu o poder, Trump cortou verbas e desmobilizou um comitê importante que poderia ajudá-lo a enfrentar pandemias — assim como Bolsonaro, ao manter o teto de gastos que herdou de Michel Temer, vem enfraquecendo o Sistema Único de Saúde.
Ambos, Trump e Bolsonaro, questionam aspectos da Ciência — notadamente o aquecimento global — e abraçam a religião da boca para fora, enquanto abraçam terraplanistas.
Mike Pence, o czar do coronavírus, já duvidou dos males causados pelo cigarro, negligenciou o combate à AIDS quando governador de Indiana e sugeriu orações para resolver problemas médicos.
O problema imediato de Trump, diante da queda da bolsa americana em, é calar as manchetes.
Os cientistas do NIH e do CDC agora precisam pedir autorização à vice-presidência antes de dar entrevistas sobre o coronavírus.
Além disso, Trump turbinou a campanha de sua base para acusar os democratas e a imprensa de alarmismo sobre a chegada do vírus nos Estados Unidos.
Os robôs americanos estão a todo vapor dizendo que o problema é a CNN, não o coronavírus.
Mas os problemas da economia americana, exatamente como no Brasil, vão muito além do vírus.
Aqui, o desemprego se mantém em dois dígitos e a grande conquista de Bolsonaro foi ter produzido milhares de colocações precárias no Uber e no IFood — o Brasil se tornou o país do bico.
Nos Estados Unidos, a economia de fato cresceu — 2,3% em 2019 — mas às custas da expansão do déficit do governo para U$ 1 trilhão.
Neste caso, os neoliberais permanecem em silêncio quase absoluto.
A medida mais importante de Trump foi cortar impostos das grandes corporações.
A pergunta que se faz agora: pode o coronavírus causar recessão nos Estados Unidos?
A resposta está em aberto.
No debacle de Wall Street chamou a atenção de observadores o fato de que as ações de bancos despencaram tanto quanto ou mais que as de empresas que de fato tem sido prejudicadas por problemas originários da China.
As ações do JP Morgan, por exemplo, caíram 6,95% só na sexta-feira.
“Por que as ações de bancos estão piores que as de empresas que experimentam problemas na cadeia de fornecedores por causa do coronavírus? Outros dados do mercado sugerem que há um problema crítico nas garantias das dezenas de trilhões de dólares que eles negociam em derivativos”, escreveram Pam e Russ Martens no conhecido Wall Street On Parede.
O Morgan, por exemplo, segura U$ 54,9 trilhões de dólares em derivativos.
Num cenário de recessão, empresas penduradas em papéis ruins seriam as primeiras a abrir o bico, colocando em risco o sistema bancário — uma reprise de 2008.
Trump já conseguiu do Banco Central americano a promessa de cortar juros para não deixá-lo na mão em plena campanha eleitoral, embora os juros já estejam baixíssimos.
Ele calou cientistas e certamente conta com a demonização da mídia para tentar controlar o noticiário sobre o coronavírus.
Mas, contra a realidade da epidemia, o poder de Trump é limitado: os Estados Unidos tiveram a primeira morte por coronavírus no estado de Washington.
Além disso, na costa Oeste, existem casos da doença não relacionados a pessoas que viajaram para a China ou outros paises da Ásia.
Isso significa que pode ter havido transmissão assintomática ou falha no sistema de monitoramento do vírus, o que vai prejudicar o acompanhamento e o controle da epidemia.
O melhor que Trump pode fazer é orar.
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