A servidão do
emprego doméstico e o dólar nefasto de Paulo Guedes
A falácia de Paulo Guedes está superada pela história desde que houve a
compreensão da igualdade social, quando a escravidão do mundo antigo e a
servidão do mundo medieval foram superadas.
Oswaldo Bertolino, portal
Vermelho
É comum se ver em lugares frequentados por
quem ostenta algum sinal de riqueza a empregada doméstica devidamente
paramentada de forma a deixar bem definida a diferença entre patrões e
serviçal. Uma obtusidade social que só perde, em termos de opressão, talvez,
para algumas castas em alguns rincões do mundo. Em poucos lugares é tão fácil
pagar salário vil e impor condições de trabalho desumanas para alguém limpar
banheiros, cozinhar, lavar e passar roupas, ou cuidar de crianças.
Também em poucos países uma elite
perdulária como a brasileira vive num mundo de mentiras, de trocas de favores,
de tráfico de influência, de sonegação de impostos. É um tipo de gente com
conhecimentos financeiros, que sabe conservar e ampliar sua fortuna em um país
em que a crise econômica atinge cruelmente a maioria da população, entregando
seu dinheiro para instituições bancárias muito bem enfronhadas nas malandragens
do mundo do capital.
Estima-se que do total de
contribuintes mais endinheirados a quantidade que declara sua renda deve
representar entre 40% e 50%. São os artífices do caixa dois, da evasão de
divisas e da lavagem de dinheiro. Boa parte dos dólares aplicados por
investidores estrangeiros no país pertence a brasileiros. Durante muito tempo,
convencionou-se (com base em estimativas da Receita Federal) que cada real
arrecadado em impostos corresponde a outro sonegado.
O dinheiro, depositado em paraísos
fiscais, retorna ao país sob a forma de investimento em ações e em aplicações
de renda fixa, sem identificação do titular da conta, e sai sem pagar imposto
algum. As empresas estrangeiras registram o capital que investem no país como
empréstimos feitos pela matriz para poder remeter os juros às matrizes sem
pagar Imposto de Renda. O assunto já rendeu até uma CPI, promovida pelo Senado
em 1994.
Tese fantasiosa
São essas pessoas que dizem haver
“frouxidão” das autoridades no combate à violência e à “corrupção”, e pregam
uma dura política repressiva como prova visível de que o crime não compensa.
Para elas, a solução seria colocar a polícia nas ruas com metralhadoras a
tiracolo, implantar uma política de “tolerância zero” e adotar a pena de morte.
E não permitir que empregadas domésticas visitem a Disney — a não ser como serviçais de seus patrões.
Foi o que defendeu o ministro da
Economia Paulo Guedes ao dizer que a taxa de câmbio mais alta é “boa para todo
mundo” e coíbe “abusos” como viagens de empregadas domésticas à
Disney. A base da sua argumentação é que com o dólar na lua
haverá mais investimento privado. “Vamos investir, consumir mais e, ao mesmo
tempo, ter um câmbio um pouquinho mais alto, o que é bom para todo mundo. Mais
exportação, mais substituições de importações”, receitou.
É uma tese falaciosa.
Industrialização para valer foi a adotada por Getúlio Vargas, especialmente no
seu segundo governo, quando ele desenvolveu uma política nacional impulsionada
pelos polos estatais da Revolução de 1930, apoiados no BNDE (depois BNDES) e na
Petrobras, criados em 1953. Ao mesmo tempo, criou uma lei de remessa de lucros
para obrigar as empresas estrangeiras a investir no país. Com isso, levou a
cabo um extenso programa de substituição de importações e modernizou o parque
industrial brasileiro.
Igualdade política
Uma política industrial para o país
continuar se desenvolvendo e exportar mais é uma necessidade inquestionável,
uma urgência que o Brasil precisa atacar e vencer. O paradigma econômico
vitorioso utilizando o que o país tem de melhor, a agricultura farta, não
basta. Seria muito mais racional e lógico, em vez de exportação in
natura, beneficiar seus produtos de modo a não ficar à mercê das
cotações ditadas pela Bolsa de Chicago e gerar empregos, estimulando o consumo.
O ponto comum entre as necessidades
de fortalecimento do mercado interno e aumentar a participação na economia
internacional atende por um nome: Estado. Além dos investimentos públicos
agindo como locomotiva da economia, a política cambial está no centro dessa
equação. A moeda excessivamente fraca numa economia como a brasileira afeta
muito mais do que viagens internacionais.
Grande parte dos bens produzidos no
país também encarecem pela importação de peças e insumos. Outra consequência é
o aumento das exportações de alimentos, beneficiadas pela troca cambial
favorável aos exportadores — mais reais adquiridos por cada dólar trocado —,
que faz os preços internos subirem. De acordo com o Dieese, os preços da cesta
básica aumentaram, em janeiro, em 11 das 17 capitais pesquisadas.
A falácia de Paulo Guedes, enfim,
está superada pela história desde que houve a compreensão da igualdade social,
quando a escravidão do mundo antigo e a servidão do mundo medieval foram
superadas — a partir do momento em que a igualdade política entre os homens se
firmou. O patrão é igual ao operário. O latifundiário é igual ao camponês. Foi
a Revolução Francesa que proclamou essa verdade-síntese, essa verdade política
fundamental: todos os homens são iguais.
[Ilustração: Correio do Brasil]
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