12 março 2020

A História, o rio e a cidade


Recife, 483 anos
Luciano Siqueira

Celebramos hoje os 483 anos do Recife, rendendo todas as homenagens aos que aqui nasceram e aos que para cá vieram em todas as épocas e que contribuíram na construção dessa complexa, contraditória e libertária cidade.
Cidade dos rios e das pontes. Também das igrejas, muitas delas esconderijos de conspiradores dos movimentos de rebeldia que a cidade abrigou ao longo da sua história.
Transcrevo aqui uma mini crônica acerca do lendário Rio Capibaribe, escrita há algum tempo, num instante de alumbramento, como diria o poeta Bandeira.
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Tu vens de muito longe, há muito tempo, desde que te chamavam de Caapiuar-y-be.
Vences barreiras, abres veredas – e chegas aqui qual amante que se aloja no leito da mulher amada: ora forte, exuberante; ora sinuoso, como que a contorcer-se preguiçoso e carente após tremenda peleja.
A cidade amada o acolhe sequiosa do teu vigor e do teu afeto.
O tempo, porém, sob o vendaval da moderna desordem, perturba a tua relação com a cidade como os desencontros da vida ameaçam uma relação de amor.
Já não és mais aquele, que ao olhar do poeta Cabral “Engoliu as terras, engoliu as casas,/Engoliu as cercas/E engordou seu corpo/Engolindo as noites, engolindo os dias.”
Fostes envolvido pela sanha do lucro, do fausto, da ambição, da desesperança, da dor, do desamor.
Agora, quando tu encontras o teu irmão gêmeo, o Bebyrype, e se abraçam ao encontro do imenso oceano, pareces enfim derrotado. Mas ainda conservas a energia que brota do teu nascedouro, fonte renovável de tua força; e a cidade, essa amante cruel, como que arrependida, parece enfim acordar da longa noite de insensatez e, envolta pelo clamor da renovação da vida, busca reiventar-se a si mesma e te reencontrar como dois seres que se amam retornam à pureza do primeiro encontro.
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