Muitos
treinadores do país têm dificuldade em seguir a evolução do futebol
O
futebol brasileiro piorou porque não aproveitou a evolução técnica e científica
das últimas décadas
Tostão, Folha de
S. Paulo
Existem treinadores que acreditam muito mais no que acham, no
que fizeram e que um dia deu certo, do que na evolução do futebol e da ciência
esportiva. Além disso, muitas coisas no futebol dão certo, mesmo erradas, já
que há inúmeros fatores envolvidos no resultado e na atuação das equipes.
A mesma postura ocorre com políticos, dirigentes e profissionais
de diversas áreas. É uma mistura de superstição, prepotência, ignorância,
fanatismo e negação psicológica.
Por isso e por vários outros motivos, muitos treinadores
brasileiros têm tido grande dificuldade em acompanhar a evolução do futebol,
que foi marcante nos últimos 20 anos.
É uma das causas do 7 a 1,
de o Brasil não ganhar o
Mundial desde 2002 e de os times terem enormes problemas contra
adversários sul-americanos mais fracos e/ou com muito menos investimentos.
O futebol brasileiro não piorou porque perdeu sua essência, o
brilho, o jogo irreverente, surpreendente, dos anos 1960.
Isso tudo é importante, mas o futebol brasileiro piorou porque não aproveitou a
evolução técnica, tática e científica das últimas décadas.
Isso contribuiu também para a diminuição do número de grandes
craques. Não se deve confundir os fenomenais atletas, que são poucos, com os
bons, ótimos. Estes continuam sendo formados em grande quantidade no Brasil.
De vez em quando, ouço alguém dizer que um treinador precisa
optar entre ter um forte conjunto ou ter muitos craques, como se estes
atrapalhassem o coletivo da equipe. Nada a ver.
Retorno à seleção de 1970,
assunto da coluna anterior, que, 50 anos atrás, em junho, ganhou o terceiro
título mundial. Era uma equipe que tinha o melhor de todos os tempos, além de
vários craques, que estão entre os grandes da história. Tinha ainda um
excepcional conjunto, além de praticar um jogo revolucionário para a época.
Parreira, em 1970, era uma mistura de auxiliar da preparação
física e observador. Ele assistiu, no estádio, à semifinal entre Itália e
Alemanha.
Parreira bateu dezenas de fotos e as colocou em sequência, para
mostrar a marcação individual da equipe italiana e o posicionamento do zagueiro
que ficava na cobertura, atrás dos quatro outros defensores.
Zagallo e
todos nós decidimos que eu jogaria entre os quatro defensores e o zagueiro da
sobra, para evitar que ele saísse na cobertura. Resolvemos ainda que, quando
Jairzinho entrasse em diagonal e fosse acompanhado pelo lateral-esquerdo
Fachetti, Carlos Alberto avançaria
e ocuparia esse espaço no ataque.
Assim, saiu o quarto gol. Neste e no gol de Gérson, o zagueiro
da sobra não saiu na cobertura, porque eu estava à sua frente. Foi também uma
vitória tática.
No vestiário, logo após a conquista, dei ao dr. Roberto Abdalla
Moura minha medalha de campeão e a camisa com que joguei o primeiro tempo.
Guardei, porque sabia que a do segundo tempo seria arrancada de meu corpo após
a conquista do título, como ocorreu. Dr. Roberto foi o médico que me operou do
olho nos Estados Unidos, oito meses antes da Copa.
Ele, convidado pela comissão técnica, viajava de Houston até o
México, dormia no hotel da concentração com os jogadores e acompanhava as
partidas da seleção no estádio.
Horas depois da final, houve um jantar, uma festa da Fifa para o
time campeão. Antes da sobremesa, saí de fininho, peguei uma carona com um
mexicano e fui para o hotel, onde encontrei meus pais. Choramos, abraçados.
[Ilustração: Mario Zanini]
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