19 abril 2020

Agente funerário


Os mortos de Bolsonaro

O presidente luta pela sua reeleição e o país se torna um jazigo ao ar livre

Ruy Castro, Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro não é economista, historiador, sociólogo, advogado ou médico, o que lhe daria pelo menos instrução básica. Também não é empresário, fazendeiro ou banqueiro, com o que teria alguma visão do país. Sempre foi um político menor e da Velha Política —que, como candidato, fingia combater e, no Planalto, pratica nas barbas de seus seguidores.
Velho político, Bolsonaro deveria perceber uma oportunidade quando ela se apresentasse. Com a dissolução da economia, do meio ambiente, das relações exteriores, da educação e da cultura em seu governo, a Covid-19 seria um inimigo ideal a enfrentar —numa luta em que ele teria o país a seu favor e que, caso vitoriosa, apagaria as brutalidades que já cometeu.
No passado, outro presidente, Rodrigues Alves, sobre quem não pairava a menor nódoa, passou à história como o governante que mais combateu as epidemias no país. Em sua gestão, 1902-06, ele erradicou a febre amarela e a peste bubônica e, mesmo com enorme desgaste político, impôs a vacina obrigatória contra a varíola. Foram campanhas vitoriosas, graças ao homem que as criou e coordenou: seu diretor-geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz, nomeado por ele. Não havia ciúme —eles lutavam a favor da vida.
Bolsonaro, ao contrário, prefere lutar a favor de sua miserável campanha pela reeleição em 2022. O preço disso já se faz sentir. O Comando da 1ª Região Militar, no Rio, está mandando os postos de recrutamento contar as sepulturas do estado. Também no Rio, o cemitério de S. Francisco Xavier apressa a construção de 2.000 gavetas. No de Vila Formosa, em São Paulo, o maior da América Latina, os enterros estão sendo feitos em covas rasas e têm de levar no máximo dez minutos. Nos hospitais de Manaus, já há cadáveres no chão ao lado de pacientes nos leitos.
O país se torna um enorme jazigo ao ar livre. São os mortos da Covid —e de Bolsonaro.

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