“Plano do general Braga Neto sinaliza
mudança de rumos”, avalia economista
“Mesmo sendo por enquanto um esboço, o Pró-Brasil tem a intenção de
retomar o desenvolvimento com base na ação do Estado na economia”, diz o
professor Nilson Araujo de Souza
Hora do Povo
O economista Nilson
Araújo de Souza avaliou, em entrevista ao
HP, que o programa apresentado pelo general Braga Neto, chefe da Casa Civil do
governo, apelidado de Pró-Brasil, “sinaliza uma tentativa de mudança de rumos”.
O
próprio fato de haver, segundo o economista, uma crítica orquestrada ao
plano por parte de porta-vozes do mercado financeiro e de setores mais
retrógrados do governo “indica claramente que a equipe de Guedes, e ele
próprio, sentiram o golpe e estão reagindo à mudança de rumos”.
“Independente do nível em que vier a ser implementado, o
lançamento do programa pró-Brasil já cumpriu seu papel. Mostrou que existe um
caminho diferente do que a equipe de Guedes vem empurrando goela abaixo do
país”, destacou o economista.
Leia a entrevista na íntegra:
HORA DO POVO – O ministro da Casa
Civil, general Walter Braga Neto, anunciou na quarta-feira (22) o programa
Pró-Brasil, que prevê investimentos em obras públicas “para a recuperação de
toda estrutura afetada pelo coronavírus”. Qual a sua avaliação dessa
iniciativa?
NILSON ARAÚJO DE SOUZA –
Independente do nível em que vier a ser implementado, o lançamento do programa
pró-Brasil já cumpriu seu papel. Mostrou que existe um caminho diferente do que
a equipe de Guedes vem empurrando goela abaixo do país. O de Guedes, na verdade,
é um descaminho. Em oposição ao programa de Guedes, que, no seu
ultraneoliberalismo doentio, pretende entregar todo o patrimônio público ao
capital estrangeiro e vem arrasando a economia, a proposta do general Braga
Neto tem a intenção de retomar o desenvolvimento com base na ação do Estado na
economia. A nossa história é rica em lições de que a economia só cresceu quando
o Estado bancou o jogo. Foi assim com Getúlio e com JK e foi assim com o II PND
de Geisel. Mas, por enquanto, o programa ainda é um esboço. Foram apresentados
sete slides, em que se desenham as linhas gerais.
Combina a proposta de realização de investimentos públicos com o
estabelecimento de regras para destravar o investimento privado, a realização
de concessões e adoção de política de crédito. Ainda está muito indefinido e o
que existe de definição é insuficiente, além de haver um desbalance entre a
promessa de investimento público com a expectativa de concessões para
viabilizar o investimento privado. Mas aponta na direção certa.
Sintomaticamente, estão apoiando o plano os mesmos militares que, no domingo,
19 de maio, se recusaram a acompanhar Bolsonaro na aventura golpista.
HP – A
ideia do plano é de retomada da economia pós-crise através de investimentos
públicos em obras de infraestrutura e de investimentos privados (através de
concessões). Você acha que o Estado tem recursos para isso? Em sua opinião,
haverá investidores privados interessados em investir nesta retomada?
NILSON – Temos primeiro que ver o contexto
em que esse plano é apresentado. Entramos no sétimo ano de crise. Recessão
profunda de 2014 a 2016, estagnação de 2017 a 2019 e possibilidade de depressão
em 2020, ao combinar as tendências recessivas que já vinham de antes com o
impacto econômico da pandemia. Tem que começar por aí. O principal é pagar as
pessoas para ficarem em casa. E não apenas os trabalhadores informais, os
subempregados e desempregados (em torno de 70 milhões), mas também os com
carteira assinada, particularmente os das micro, pequenas e médias empresas
(cerca de 25 milhões). Essas empresas também têm que receber apoio financeiro
para não sucumbirem. Esse é o caminho para salvar vidas e simultaneamente
preparar a economia para voltar a funcionar tão logo passe o efeito da
pandemia. O ministro Guedes ameaçou que não havia dinheiro para isso, que
dinheiro não cai do céu.
Mas,
logo se descobriu que havia 1,3 trilhão de reais no caixa único do Tesouro. E
também, durante o período de recessão, o governo pode emitir moeda sem causar
inflação. Isso porque, com capacidade ociosa das empresas, o aumento da demanda
provocado pela emissão monetária pode ensejar o aumento da produção e, por
conseguinte, da oferta, em lugar de pressionar os preços para cima. Isso é
keynesianismo puro: pagar as pessoas para cavar e tapar buraco. Mas, para a
recuperação da economia e a retomada do desenvolvimento, não basta isso.
Precisa de mais investimento e, para isso, mais Estado na economia. Depois da
grande crise do capitalismo mundial de 1914 a 1945 (duas guerras mundiais e uma
grande depressão), foi uma forte ação do Estado na economia que possibilitou
não apenas recuperar a economia mundial, mas também promover um desenvolvimento
prolongado. Acho que, nas atuais circunstâncias, de crise braba, não se deve
esperar muito do investimento privado por meio de concessões. As empresas
nacionais, ao contrário, estão precisando de forte apoio do governo para
sobreviverem. E o capital estrangeiro? Esse vem se evadindo do país desde o ano
passado. O dinheiro tem que vir do governo.
Sempre tem essa cantilena de
que o governo não tem dinheiro. Como assim, se ele tem poder de emissão
monetária? Como assim, se ele tem o poder de transferir renda de uma área para
outra por meio da tributação? Por exemplo, taxando remessas de lucros e
dividendos, taxando distribuição de dividendos, taxando grandes fortunas… O
economista José Luís Oreiro propõe que o Banco Central adquira títulos
primários emitidos pelo Tesouro. É como se fosse uma dívida do marido com a
mulher. Fica tudo em família. Obviamente, para o Governo realizar esses
investimentos, precisa manter a suspensão da lei do teto de gastos e a regra de
ouro, que foram suspensas durante a calamidade da pandemia.
HP – Concomitante à apresentação do
plano por Braga Neto, houve a decisão do governo de suspender e adiar algumas
privatizações que estavam programadas, como Eletrobrás e Correios. Como você
avalia essa decisão?
NILSON –
Programa com ação do Estado na economia e suspensão de privatizações parece uma
sinalização de que, dentro do governo, particularmente entre os militares que
participam do governo, está se buscando um outro caminho, o oposto do
perseguido pela equipe econômica de Guedes. E a turma do Guedes acusou o golpe.
Apelidou o “Plano pró-Brasil” de “Dilma 3”, disse que, se não há dinheiro no
governo, não há como fazer um programa baseado no investimento público. E por
aí foi…
HP –
Durante a apresentação do programa foi falado em valores que poderiam chegar a
R$ 250 bilhões em concessões e R$ 30 bilhões em obras públicas. Como você avalia
esses valores?
NILSON –
Insuficientes, desbalanceados e, no que toca ao investimento privado, sem
garantia de que ocorrerão. Apenas R$ 30 bilhões de investimento público e R$
250 bilhões de concessões. Ora, até mesmo nas economias capitalistas mais desenvolvidas,
tem sido o investimento público que tem alavancado o investimento. Foi assim no
passado. E, agora, mais ainda. No mundo inteiro, o Estado, depois de demonizado
durante quase três décadas, começou a retornar na crise deflagrada em 2007 e
agora ressurge com peso para enfrentar a crise atual. Só que, enquanto naquela
crise, o Estado entrou para salvar os bancos, agora, além de salvar os bancos
deles mesmos, está colocando dinheiro na economia real e nas mãos do povo. Numa
economia subdesenvolvida, a necessidade do investimento público é maior ainda.
Além disso, como já disse, as empresas não estão com dinheiro para arrematar as
concessões e fazer os investimentos. Dada a gravidade da crise, as nacionais
estão com os cofres vazios. E o capital estrangeiro, em lugar de vir para cá,
está se evadindo. R$ 30 bilhões de investimento público não dá nem para tapar o
buraco de um dente. Muito menos para acelerar o crescimento econômico, como
propõem os formuladores do plano. Na nossa última experiência de aceleração do
crescimento, entre a segunda metade da década de 1960 e a década de 1970,
quando se implementou o II PND, a taxa de investimento público esteve em torno
de 7% do PIB. Isso, se comparado ao PIB de hoje (7,3 trilhões de reais), daria
R$ 500 bilhões por ano.
HP – A equipe econômica do governo não
estava presente no momento em que o general Braga Neto apresentava o programa.
Você vê algum significado nesta ausência de Guedes e de seus auxiliares na
reunião em que o plano foi debatido? Alguns integrantes da equipe de Guedes,
como Salim Mattar, Secretário de Desestatização, criticaram o programa
apresentado por Braga Neto alegando que o Estado não tem recursos e que os
investimentos só virão da iniciativa privada, através das privatizações. Como
você avalia essa opinião?
NILSON –
Isso indica claramente que a equipe de Guedes, e ele próprio, sentiram o golpe
e estão reagindo à mudança de rumos. Membros destacados da equipe econômica,
como Adolfo Sachsida e Mansueto Almeida, afirmaram que não há dinheiro para
alavancar uma retomada da economia com investimento público. Segundo Sachsida,
“o espaço fiscal [para gastos] da economia brasileira é muito mais limitado… O
espaço fiscal não é muito amplo”. No que foi reforçado pelo secretário Mansueto
Almeida, que declarou: “É muito claro que [para] a retomada do crescimento do
país, a gente vai ter que aumentar muito a taxa de investimento. E é claro que
o governo não tem essa força para aumentar muito, para custear o investimento,
via investimento público, porque falta espaço fiscal, independentemente de
teto, mesmo que não existisse teto de gastos, o governo não teria espaço, para
aumentar muito investimento público porque teria que se endividar muito”.
Reforçando
o discurso dos outros secretários do Ministério da Economia, Salim Matar, que
também é dono da Localiza, declarou: “o governo não tem mais dinheiro. Tem de
usar dinheiro privado. E tem muito dinheiro privado no mundo”. E deu sua
“solução”: “depois que essa crise se for, temos de tomar algumas providências.
E a primeira é a venda de ativos da União. Temos também de acelerar o programa
de concessões na infraestrutura e continuar com as reformas estruturantes, que,
no longo prazo, vão cortar os custos do Estado”. Ou seja, no dia seguinte ao
lançamento do programa de Braga Neto, fizeram uma verdadeira campanha contra
seus fundamentos. Repetem tanto isso que parece um mantra.
Mas
não é nem questão de fé. É dogma puro. Ou por que não dizer? Expressão de seus
compromissos com o capital financeiro especulativo, de dentro e de fora do
país. Pois, conforme demonstrei antes, o Estado tem como conseguir dinheiro.
Inclusive para apoiar as empresas nacionais, que estão quebrando na crise –
portanto, sem dinheiro para investir em concessões. Essa reação tão virulenta
da equipe econômica só demonstra que o plano, apesar das insuficiências aqui
destacadas, está na direção certa.
HP – O chamado “mercado” reagiu com
muitas críticas ao programa dizendo que ele significa uma sinalização de que as
reformas estruturais, defendidas pela equipe de Guedes, estariam sendo
abandonadas. Como você avalia essas críticas?
NILSON –
Pode não ser isso ainda, mas é um bom sinal. O chamado mercado, na verdade, são
os monopólios, principalmente os monopólios financeiros. Eles querem que o
Estado intervenha na economia, sim, mas apenas para garantir sua reprodução e
seus gordos lucros. Eles, por exemplo, não reclamaram que o governo liberou
para os bancos cerca de R$ 1,2 trilhão num abrir e fechar de olhos e, ainda por
cima, encaminhou para o Congresso o chamado “orçamento de guerra”, que, dentre
outras coisas, autoriza o Banco Central a comprar títulos dos bancos, que foram
apodrecendo ao longo dos anos. Eles só se interessam pela economia real quando
é para se apropriar do valor ali gerado. As chamadas reformas, como já
demonstrou a trabalhista e a previdenciária, não são outra coisa do que retirar
direitos do povo e dinheiro da economia real para encher as burras dos bancos
de dinheiro.
HP –
Outra crítica de representantes do mercado financeiro ao programa defendido por
Braga Neto é que ele seria irresponsável do ponto de vista fiscal, já que o
país deverá sair da crise do coronavírus com um aumento da dívida pública e
deverá adotar políticas de austeridade fiscal e não de frouxidão fiscal. O que
você pensa sobre isso?
NILSON –
Primeiro, não precisa se endividar para bancar a renda básica emergencial e os
demais apoios financeiros para a economia real. Como falei antes, havia no
Tesouro R$ 1,3 trilhão; além do que, como também me referi antes, o governo
pode emitir moeda sem incidência inflacionária ou endividar o Tesouro junto ao
Banco Central, como defende o prof. Oreiro.
Na verdade, o endividamento de
um ente público federal com outro é como se fosse dívida zero. Fica tudo em
casa. A insistência em políticas de “austeridade”, isto é, corte de
investimento, de gasto social, de direitos e do salário do trabalhador e de
crédito, já demonstrou que, além de não equilibrar as contas públicas, acarreta
como resultado estagnação e recessão, desemprego e empobrecimento da população.
Saiba mais https://bit.ly/2ySRLkm
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