21 abril 2020

Futebol arte

Seleção de 1970 foi encantadora e revolucionária para a época

Lembranças são de um time superior fisicamente e Zagalo foi um estrategista

Tostão, Folha de S. Paulo

 

Neste domingo (19), poderemos ver pelo SporTV a final da Copa do Mundo de 1970. Muitos dirão que a seleção brasileira foi espetacular, melhor até do que se dizia, enquanto outros falarão que o futebol era muito lento, que era uma grande equipe, mas nem tanto.
No passado e no presente, há grandes times e jogadores e também os razoáveis e os ruins. Não podemos confundir a deliciosa memória afetiva com o saudosismo, em achar que tudo antes era superior, nem se iludir que a vida e o futebol começaram com a internet.
Na véspera da final, na reunião dos jogadores com a comissão técnica, combinamos que, quando Jairzinho entrasse em diagonal e fosse acompanhado pelo lateral da Itália, Carlos Alberto avançaria pela direita. Combinamos também que eu jogaria entre os quatro defensores, que faziam a marcação individual, e o zagueiro da sobra, para evitar que ele saísse na cobertura. Um marcaria o outro.
Saiu tudo como planejado. Foi também uma vitória tática.
Eu sabia que pouco pegaria na bola, espremido entre os defensores. Mas sabia também que era necessário. Senti-me importante. Repito, não fui um clássico centroavante, finalizador, nem um meia-atacante, como era no Cruzeiro, com um centroavante à minha frente. Em um time com dois atacantes excepcionais, agressivos e artilheiros, como Pelé e Jairzinho, era preciso um centroavante armador, um facilitador.
Na véspera da final, como aconteceu antes de todos os jogos do Brasil na Copa do México, houve um encontro entre alguns jogadores, uns seis, que se revezavam. Ninguém era obrigado ou coagido a participar. Um dos presentes fazia uma reflexão inicial sobre futebol ou sobre o que quisesse. Alguns gostavam de rezar. Só não se falava sobre estratégia de jogo, o que acontecia na reunião com os integrantes da comissão técnica.
Naquele último encontro, houve uma exceção, e foi convidado para falar o doutor Roberto Abdala Moura, que tinha me operado do olho e que assistiu a todos os jogos no estádio, a convite da comissão técnica. Após as partidas, ele viajava para Houston, nos Estados Unidos, onde morava.
Doutor Roberto disse na preleção: “Parafraseando Padre Antônio Vieira, o contrário da luz não é a escuridão, mas sim uma luz mais forte, pois, na escuridão, qualquer luz brilha, por menos intensa que seja. Ao lado de uma luz forte, as luzes menores não são detectadas, como que se apagam. E nossa luz, a da seleção, será mais brilhante”.
Na manhã da partida decisiva, tomamos café juntos, já que o jogo seria ao meio-dia, sob intenso calor. Havia um silêncio. De repente, Dario, meu reserva, levantou-se, olhou para Zagallo e disse que havia sonhado ter feito três gols e que garantia os gols no jogo, se fosse escalado. Todos deram gargalhadas.
Não houve surpresa na final. No intervalo (estava 1 a 1), havia, no vestiário, um consenso de que o segundo tempo seria mais fácil, já que era evidente o cansaço dos italianos, por causa do calor, da marcação individual, da semifinal desgastante contra a Alemanha e porque o Brasil tinha o melhor preparo físico da Copa. Em um canto, como era habitual, Gérson fumou seu cigarro.
A seleção brasileira foi encantadora e revolucionária para a época. Zagallo era um estrategista, o que era raro. Ele foi importante para a conquista. A seleção unia o talento individual com o coletivo, a fantasia e a inventividade com a organização e a disciplina tática. “O que a memória amou se torna eterno” (Adélia Prado).
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