29 abril 2020

Peso próprio relevante


A oportunidade de retomar o projeto industrial da Embraer, por Luis Nassif

O acionista só analisa o fluxo de resultados da empresa. O interesse nacional analisa as chamadas externalidades positivas, o impacto na criação da cadeia de fornecedores, na geração de empregos
Luis Nassif, Jornal GGN

Há um desconhecimento básico da lógica da fabricação de aviões. Não existe separação entre tecnologia de aviões militares e civis. Os militares permitem, muitas vezes, o desenvolvimento de tecnologias que só ganham escala se houver aproveitamento na fabricação civil.
No caso da Embraer, além da interação entre indústria de defesa e comercial, há todo um ecossistema tecnológico desenvolvido no seu entorno, e que poderia ser destruído se houvesse a concretização da venda para a Boeing.
Há duas lógicas em relação à Embraer. A lógica dos acionistas é obter o máximo de retorno do capital investido; e a lógica nacional, que leva em conta os impactos da empresa no desenvolvimento tecnológico e na criação de um ecossistema de inovação.
O acionista só analisa o fluxo de resultados da empresa. O interesse nacional analisa as chamadas externalidades positivas, o impacto na criação da cadeia de fornecedores, na geração de empregos e tributos, no desenvolvimento tecnológico – que se esparrama pelos fornecedores e pelo sistema brasileiro de inovação.
Justamente por isso, na sua privatização foi mantida uma “golden share” nas mãos do Estado, o direito do governo de opinar sobre mudanças de controle da empresa, para impedir que resultem em prejuízo do interesse nacional. O governo Michel Temer ignorou esse interesse, quando a Boeing apareceu com um caminhão de dinheiro oferecido aos acionistas, permitindo a venda do controle.
A licitação FX, de aquisição dos novos caças brasileiros, foi vencida pela Gripen sueca – escolha da Aeronáutica -, devido à possibilidade de transferência de tecnologia para empresas brasileiras que participariam conjuntamente do seu desenvolvimento.
Além de sócios na fabricação do Gripen, a tecnologia absorvida serviria para dar um enorme impulso na fabricação dos aviões executivos e de médio porte da Embraer e se espalhar por outros setores da economia.
A venda para a Boeing encerraria esse ciclo. A tecnologia absorvida na parceria com a Gripen não poderia mais ser aproveitada pela aviação comercial e executiva. E haveria enorme perda de escala nos custos de desenvolvimento e no desenvolvimento tecnológico nacional.
A Aeronáutica se preparou com esmero para essa parceria com a sueca Saab, envolvendo governo federal – que entrou com os recursos -, rede de fornecedores brasileiros e engenharia militar.
Para tocar o projeto, foi criada uma Comissão Coordenador do Programa Aeronave de Combate (Copac), diretamente subordinada ao Diretor-Geral do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, vinculada ao Estado-Maior da Aeronáutica. Coube ao Copac negociar os acordos de offset (as contrapartidas exigidas do parceiro externo, como condição para a importação de bens).
Acertado o acordo, de fabricação inicial de 15 aviões, todos os parceiros nacionais selecionados enviaram engenheiros e técnicos para a Suécia, para absorver várias tecnologias envolvidas no projeto.
A Embraer enviou 160 engenheiros e 80 técnicos para a Suécia. A Atech mandou 26 engenheiros para absorver a tecnologia de simuladores e sistemas de suporte. A Mectron enviou 12 engenheiros, para integração de armamento, data link e suporte logístico ao radar. A Akaer, mais 7 engenheiros, para absorver os conhecimentos sobre desenvolvimento da estrutura das aeronaves. A Inbra outros 43 profissionais para conhecer os sistemas de fuselagem dianteira, traseira, asa. A AEL outros 8 engenheiros, para a área de desenvolvimento de Equipamentos aviônicos e software.
Esse conhecimento ajudaria no desenvolvimento de novos aviões executivos e comerciais e transbordaria para outros setores da economia e até para exportação futura.
No início da parceria, previa-se a criação de 2.300 emprego diretos no setor aeroespacial e 14.650 empregos em outros setores da economia.
Com a desistência da Boeing, e com a necessidade de aporte por parte do BNDES, é a oportunidade de repensar a reintegração da Embraer ao projeto original.
É hora da Aeronáutica defender seu projeto original, ajudado, agora, pela explicitação, nessa guerra contra o coronavirus, da importância da tecnologia autônoma.
Porque se depender do terraplanismo ideológico de Paulo Guedes, sua reação a um eventual desaparecimento da Embraer será similar à do seu chefe, quando informado das mais de 5 mil mortes por coronavirus no Brasil: “e daí?”.

Saiba mais https://bit.ly/2ySRLkm

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