Embora
os impactos imediatos do isolamento social sobre a economia sejam severos, em
longo prazo seus efeitos são menos severos do que se houvesse agora uma interrupção
desse mecanismo de contenção do coronavírus. Sobre o tema, transcrevo aqui
trecho de uma matéria publicada hoje no Valor Econômico:
No longo prazo, isolamento afeta
menos o PIB
Na semana passada, foi apresentado o
primeiro estudo de economistas brasileiros que utiliza um novo modelo
macroeconômico para analisar, de forma integrada, a economia e a epidemia do
novo coronavírus. O objetivo do trabalho é dimensionar os efeitos do isolamento
social sobre a infecção das pessoas e sobre o nível de atividade.
A conclusão a que os economistas
Matheus Rabelo de Souza e Johann Soares, autores do trabalho, chegaram é que,
no Brasil, uma contenção social ótima evitaria a morte de 50 mil pessoas, mas
provocaria uma recessão 3,5 vezes pior do que se não houvesse contenção alguma.
O estudo foi divulgado no momento em que divergências sobre a estratégia de
enfrentamento da pandemia terminaram com a demissão de Luiz Henrique Mandetta
do cargo de ministro da Saúde, defensor do isolamento social.
Apesar de o efeito do isolamento
sobre a atividade econômica ser mais severo no curto prazo, o modelo utilizado
pelos economistas indica que, no longo prazo, a contração do Produto Interno
Bruto (PIB) seria menor, pois o número de horas trabalhadas cairia menos,
14,13%. A queda do número de horas trabalhadas sem contenção social seria
maior, no longo prazo, estimada em 16,45%. “A ideia é que, fazendo a contenção
social, menos gente morrerá e, assim, haverá mais trabalhadores no longo prazo
compondo o lado da oferta”, explicou Matheus Rabelo.
No trabalho, os autores fizeram uma
suposição de que 15% das pessoas infectadas pelo novo coronavírus serão casos
graves e que a taxa de mortalidade seria de 0,3%. No pico da infecção no
cenário sem contenção social, o estudo estima que 5,4% da população estará com
o vírus, com um total de 337 mil mortes. No cenário com contenção social ótima,
o número de infectado será menor, correspondendo a 3,7% da população e 287 mil
óbitos, uma redução de 50 mil mortes. No cenário sem contenção social, os
economistas estimam que o sistema de saúde brasileiro vai precisar de 1,7
milhão de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Com contenção social
ótima, o número necessário de leitos em UTI cairá para 1,2 milhão, ou seja, 500
mil leitos a menos. Os autores observam que, em ambos os cenários, a situação
será dramática, pois, segundo eles, o Brasil dispunha de apenas 50 mil leitos em
UTI em janeiro deste ano. O trabalho de Rabelo e Soares, intitulado “A
macroeconomia das epidemias: resultados para o Brasil”, foi apresentado na
quarta-feira passada, em um grupo de estudo de macroeconomia do mestrado e
doutorado na Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE), da Fundação
Getulio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro. Rabelo é mestre em economia e Soares
cursa o mestrado na EPGE. Os autores propõem uma maneira macroeconômica de
pensar a crise do novo coronavírus, utilizando a abordagem dos economistas
Martin Eichenbaum, Sergio Rebelo e Mathias Trabandt (Working Paper, 2020), com
parâmetros calibrados para a economia brasileira.
Segundo Rabelo, a abordagem é uma
combinação de um modelo macroeconômico tradicional com um modelo epidemiológico
conhecido como SIR, na sigla em inglês, (Suscetíveis, Infectados, Recuperados,
em português). Eles passaram a considerar que a contaminação não ocorre apenas
de forma aleatória, mas em atividades relacionadas ao consumo e ao ambiente de
trabalho. Desta forma, a propagação da infecção atua tanto como um choque de
demanda quanto como um choque de oferta. Dado que as pessoas podem se infectar
ao fazer compras, elas reduzem o consumo para se proteger. Por outro lado, os
indivíduos podem se infectar no ambiente de trabalho e, para evitar isso, eles
reduzem as horas trabalhadas. Os autores concluíram que a política de contenção
social ótima é gradual e acompanha de perto a curva de infecção. No primeiro
momento, quando não há muita gente infectada, o custo social de fazer contenção
é muito maior que o benefício, analisam. “A contenção social ótima busca o
equilíbrio entre perda econômica e perda de vidas”, explicou Rabelo.
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