20 maio 2020

Aliado do coronavírus


Um presidente sem caráter e um país sem máscaras
Deco Costa

Olhar o mundo pela janela e não participar dele lá fora significa, na maioria das vezes, punição. Nesse contexto pandêmico em que o mundo atravessa ficar recluso significa responsabilidade. O vírus solto vira nome de rua ou a própria rua. Atravessa tranquilo avenidas antes agitadas e agora vazias, fora da faixa de pedestre. Procura uma companhia. Não vive sozinho, precisa de um hospedeiro para sobreviver enquanto mata. Tem raiva de máscara e queria todo mundo fora de casa.
Se existe um país que o vírus não pode reclamar das relações diplomáticas é o Brasil. Aqui temos um presidente extremamente receptivo. Segue todas as recomendações da boa etiqueta. Como um digno anfitrião, um “homem cordial”, faz os gostos do convidado para deixá-lo à vontade. No entanto, toda essa etiqueta e cordialidade é paga com o esquecimento por quem aqui mora. Principalmente quando o convidado viral é mal educado e malvado.
A cada dia vidas viram tristes estatísticas de números frios e contados em valas comuns. Pessoas, asfixiadas pelo descaso, são privadas da ciência, enquanto a cloroquina vira bula salvadora. Hospitais com leitos esgotados, “lives” a toda instante no instagramno afã de deixar a vida normal e o inominável presidente , entre as saídas de ministros, tenta controlar a polícia federal enquanto o vírus cada vez mais controla todos nós. 
Fundamentalistas fascistóides vestidos de verde e amarelo defendem o fechamento do regime e saúdam o seu Duce dos Trópicos com um sorriso em forma de suástica, pouco importando as vidas perdidas pelo vírus com a sanha pela fama de letal.
Aliás,  empatia pelo próximo virou ideologia política e não mais sentimento de compaixão. Cuidar e zelar pela sua vida e a de outrem é um sinal de foice e martelo. Definitivamente não dá mais. Tolerar os intolerantes é assinar o atestado de óbito de milhares de pessoas. O capitão marcha com o pesado coturno em cima do futuro do Brasil. Estrangula as liberdades e instituições democráticas ao troco de uma manada perdida que ainda pensa como se estivesse nos tempos da Guerra Fria. Faz questão de exilar os seus opositores dentro do próprio país enquanto assume um relacionamento cada vez mais forte com o autoritarismo.
Se o vírus no Brasil virasse gente, não precisaria procurar alguém sem máscaras, bastaria ser o presidente sem caráter. O cortejo fúnebre é a triste marcha aos ouvidos do povo.Nesse sentido, a quarentena assume um viés de libertação e não de prisão. Preso está quem na rua está e o vírus pode pegar.
Não é preciso se esforçar para acreditar na ciência, basta entender as voltas que a história dá. As fogueiras da inquisição queimavam nos corpos que defendiam a razão. A Igreja exercia o papel da alienação, aliás, reconhecido séculos depois pelo próprio Alto Clero do Vaticano. O Brasil voltou à Idade Média. Pastores vendem a cura e o irresponsável presidente receita remédio sem ser médico. O Iluminismo foi arrancado dos nossos livros.
O vírus do fascismo que subiu a rampa do planalto tem no coronavírus o seu aliado político.Que as ruas vazias sejam o recado político para o Brasil definitivamente não  ficar refém dessa fétida aliança, sobreviver e não utilizar as urnas da próxima eleição como o depósito do ódio, mas sim como o depósito da esperança.
*Professor e advogado, mestre e doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
[Ilustração: Aroeira]

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