A
educação como essência do SER
Renata Jatobá*
Ao tratarmos da educação em tempos de
pandemia e, mais especificamente, do desenvolvimento do processo de
alfabetização das crianças na idade certa, colocamos-nos diante de muitos
questionamentos e dúvidas, em relação ao destino da aprendizagem dessas crianças
no ano de 2020.
Em geral, a sociedade vem demonstrando
algumas preocupações, que classifico-as em dois tipos, a saber: a) as
associadas à herança negativa que pode provocar a ausência do ensino
sistemático escolar; b) as relacionadas à possibilidade da não conclusão do ano
letivo e os atrasos nos estudos para o término da educação básica.
Salientamos que esses pensamentos
estão prioritariamente focados na formação do ter, que não condiz mais com os
novos tempos que a atualidade social vem exigindo, como processo de construção
de uma nova normalidade coletiva.
Nossa reflexão está voltada para esse
universo de angústias dos diferentes agentes sociais. Primeiro, pelo fato de a
essa fase do ensino ser exigido o êxito necessário das nossas crianças por meio
de práticas escolares contextualizadas, com o objetivo final de construir a
autonomia na leitura e na escrita; segundo, pelos dados que vemos ao longo
desses anos sobre alfabetização no Brasil, ou seja, as estatísticas desastrosas
que apontam a estagnação do crescimento desse aprendizado no país.
Pensar em Covid-19 e no curso do ano
letivo de 2020, permite-nos ponderar que os impactos educacionais tendem a ser
negativos para o ensino da Leitura e da Escrita, ao mesmo tempo em que se
delineia um novo cenário em que essas crianças, “possivelmente prejudicadas”,
estão tendo uma oportunidade única, que vem para promover a igualdade
educacional na concepção de ensino, que é a construção do pensamento coletivo
dos professores, dos pais e dos educadores sobre a importância da educação para
a sociedade e para as nossas crianças.
Portanto, nesse momento, em que as
sociedades refletem e planejam alternativas para a superação do problema e para
a continuidade da vida humana, nada é mais justo do que pensar além das
convenções dos períodos ou calendário anual letivo, nessa atual incerteza. O
que podemos realizar, neste momento, é pensar em estratégias de organizações
possíveis, ou seja, desenvolver a criatividade das crianças, de tal forma que
possa agregá-la na conjuntura do processo educativo futuro.
Para isso, permitam-se adentrar em
duas grandes ideias: a primeira, que trata da reflexão sobre as novas relações
educacionais para a família, a escola e a sociedade; a
segunda, que trata de como a sociedade e seus agentes são fundamentais para a
transformação de uma nova normalidade planetária, com os impactos de uma
verdadeira alfabetização ecológica. Essa última como a capacidade de ler,
descrever e interpretar o ambiente que o cerca, reconhecendo aspectos ecológicos
para solucionar problemas no cotidiano, resgatada aqui a partir da obra de Fritjof
Capra, um físico, teórico e escritor que desenvolve o trabalho na promoção da
educação ecológica. Assim, a visão sistêmica é sobre o quanto é indissociável o
todo (coletivo) e suas partes (pequenos grupos) para o funcionamento dos
organismos. Essas reflexões são necessárias e pertinentes para o momento atual
de pandemia no qual vivemos.
Diante de tudo isso surgem novos
questionamentos motivadores para a educação: Qual será o resultado da pandemia
para o desenvolvimento da criança? Quais possibilidades de elaboração serão
construtoras da sistematização do ensino da linguagem?
Para isso, precisamos estar atentos
aos dados em que estas crianças estão inseridas, não como elementos
preponderantes, mas como indicadores de reflexão e proposição de adoção de
políticas públicas voltadas à garantia de direitos sociais básicos.
Infelizmente, no Brasil, conforme o Censo 2010, pelo menos 6,9 milhões de
famílias estão sem casa para morar. No Recife, o IBGE, panorama das cidades,
aponta 69,2% de domicílios com esgotamento sanitário adequado e 30,8% da
população não possuem um lar estruturado, que ajude no ambiente para as
atividade educacionais. Mas, ainda é possível, dentro desta realidade,
refletirmos possibilidades para o desenvolvimento da criatividade e das
potencialidades da criança.
Deste modo, a reflexão ora apresentada
está para a educação enquanto essência
do ser e, neste sentido, o resultado pode apontar para um mundo que dará respostas
aos nossos anseios, mesmo com os desafios e respostas que não se apresentem na
forma da lógica atual.
A construção coletiva dessas
alternativas de superação visa ao equilíbrio para as nossas ações, ao
redimensionamento do trabalho e a um novo desenho de formação do ser crítico,
leitor e ativo, face à conjuntura social almejada. Assim, acreditamos que para
essa formação do ser, o mundo poderá se apresentar menos competitivo e mais
humanizado; menos frenético e mais construtivo; menos doente e mais complacente;
menos arriscado e mais planejado; menos exigido e mais construído; menos
enquadrado e mais diversificado; menos estagnado e mais evolutivo e criativo.
Nesta perspectiva, criatividade é um
dos elementos essenciais para lidarmos com o momento da educação atual. Será
necessário repensar o exercício docente, ou seja, não sermos os professores de
antes e propor meios para superar e ajustar o que não se pode remediar.
O fluxo do calendário letivo, na vida
das crianças do primeiro ano do ensino fundamental, não pode ser mais
importante do que a própria formação humana desse estudante. Portanto, sabemos
que a “Educação é libertadora”, como dizia Paulo Freire e, nesse conceito,
podemos ajudar a transformar a realidade dos lares com o cuidado e a compaixão.
Percebe-se um movimento socioeducativo
em que se têm envidado todos os esforços para a organização de ações voltadas à
formação do leitor, com práticas de letramento, planejamento para o acolhimento
ao retorno das crianças para as escolas, configurando-se uma ação conjunta e,
ao mesmo tempo, considerando as especificidades de cada unidade educacional e
realidade, na tentativa de sanar essa situação nunca antes vivida.
Para todas as crises ou momentos da
educação, a preocupação de maior recorrência das escolas sempre foi desenvolver
uma interlocução eficaz com as famílias. Agora, se agrava a isto, o
desenvolvimento da melhor forma de se comunicar com as crianças nesse período
de pandemia. Percebe-se, atualmente, um fluxo contrário ao anteriormente instituído.
Sempre foi muito comum pensar em estratégias para inserir a família na escola e
hoje, vê-se uma ação educativa que tem reafirmado a parceria escola-família,
salvaguardando-se as competências específicas de cada instituição (família e
escola).
Esse é um momento importante para a
visão educacional transformadora. O papel da escola sempre será de acolhimento,
fomento à leitura, socialização de livros, sistematizações de conteúdos,
possibilidades de práticas criativas e de vivências com a natureza. O papel da
família, juntamente com a sociedade e o Estado, sempre será, conforme
Constituição Federal de 1988 (em seu artigo 227), o de assegurar, entre outros
aspectos, o direito à educação.
Nessa conjuntura e em se tratando de
princípios didáticos, o fato é promover o desenvolvimento da criança junto com
o apoio da família, considerando os aspectos da observação da natureza.
Refletir sobre essa questão é algo criador e gerador de todas as grandes
formulações e inovações do mundo que foram originárias por tantas pessoas, como
Leonardo da Vinci, no século XV, para criar todas as grandes descobertas da
humanidade.
Podemos realizar a tentativa de tratar
dos conteúdos por meio de atividades remotas ou atividades presenciais e assim,
viabilizar possibilidades. Porém, a proposição de atividades de vivência com a
natureza, com o ambiente e a construção de material próprio e possíveis
existentes em seus lares, poderão proporcionar, nesse momento, possibilidade de
igualdade que defendemos, na perspectiva da construção mais significativa do
conhecimento.
O contexto atual aponta para um modelo
híbrido de educação coletiva, que possui diferentes formas, com empenho da
coletividade, que envolve família e escola. Então, os professores no trabalho
remoto, com inúmeras possibilidades de trabalho para as crianças, como:
teleaula em televisão aberta, atividades físicas enviadas para as famílias,
atividades on-line, proposição de vivências com a família, elaboração e criação
de jogos com sucata, conversas para a realização da leitura de mundo e da
palavra, entre outras. Tudo isso é importante para esse momento único e para a
fase de alfabetização propriamente dita. Portanto, nesse trabalho do “fica em
casa”, os professores tornam-se, cada vez mais, protagonistas para o exercício
de elaboração autoral de atividades criativas e, até emotivas, tendo como
elementos a realidade a qual estão inseridos, nesse contexto de pandemia, além
de pensar em momentos de valoração à vida, aos cuidados com o outro (empatia) e
consigo mesmos. A escola e a sociedade são conjunturas máximas para a
construção da vida humanizada e equilibrada da nossa essência, que nada mais é
do que a busca do ensino para o amor.
Fomos acometidos por um vírus letal
que nos impediu de seguir na forma que acreditávamos ser anteriormente como o
melhor modelo educacional. O Conselho Nacional de Educação apresentou a
proposta de parecer sobre a reorganização dos calendários escolares e a
realização de atividades pedagógicas não presenciais durante o período de
pandemia da COVID-19, que colaboram com possibilidades de orientações para
tentar esclarecer os questionamentos atuais da área.
Cabe a cada Sistema de Ensino traçar
as possibilidades para a realização de atividades e a sua real efetivação. Para
tanto, a ação do poder público é primordial e deve ser propositiva de forma
mais ágil, considerando todos os contextos.
A gestão do ensino da leitura e da
escrita precisa ser realizada também por meio de ações planejadas e de
nivelamento futuro, intensificando-se no ano de 2021. Isso é um fato que poderá
colaborar com as construções e sistematizações das crianças em termos de
desenvolvimento da aprendizagem.
Deste modo,a sociedade possui osagentes
fundamentais para a transformação de uma nova normalidade planetária. Muitos se
questionam sobre uma normalidade. O que na verdade queremos é a participação de
todos os pais, familiares, policiais, profissionais da limpeza em geral,
professores, artistas, médicos, profissionais da saúde e da educação, de um
Sistema Único de Saúde – SUS fortalecido,
cientistas e políticos, para cocriarem estes “novos seres” e superarem o medo que domina essa sociedade atual,
mas que também é momento primordial para nos reinventarmos, não só como
profissionais, mas, principalmente, como cidadãs e cidadãos do mundo.
Para concluir, compartilho uma das
minhas construções nesse período de COVID-19. Trata-se de um poema em que
apresento esta possibilidade criativa e convido a todos para reflexão.
O que não tem explicação, só há compaixão
Vamos
ouvir a voz do coração para buscar a explicação de tudo que acontece nessa
vida!
O
que estamos vivendo?
Será
o fim dos nossos tempos?
A
Terra vai parar de girar por que o homem não soube herdar?
E se
a Terra vai parar de girar, por que essa vida tem que acabar?
Não
sabemos os segredos da vida.
Só
sabemos que a gratidão e o amor ao próximo é comunhão na compaixão.
Por
que queremos um mundo melhor?
Para
ter uma vida maior!
Porque
Deus sabe de tudo e já tentou, tentou... unir todo esse mundo.
Agora
ou muda ou acaba
Porque
sem a vida amada
Não
podemos ter nada.
A
sociedade do ter precisa crescer e mudar para o ser
Ser
igual, ser melhor, ser amor
Sem
isso, não seremos um novo planeta
E a
espécie humana, será exterminada pela própria raça humana.
Para
onde vamos? O que queremos? O que
podemos? O que precisamos ser?
Qual
será o novo normal social?
Será
que a fome será igual?
Não
quero acreditar nesse problema
Porque
só a compaixão pode acabar com a doença.
Somos
um mundo, somos um coletivo, e pela Luz Divina seremos mais amigos
Somos
um mundo, somos um coletivo, e pela força humana não teremos mais conflitos
A
luta é para todos e, na verdade, o mundo é de todos...
Se
tenho outra história
Vou
ajudar quem ainda não tem uma vitória...
Assim
vamos transformar
E nesse
mundo habitar
Para
viver a vida na força do amar.
[Ilustração: Joan Miró]
*Doutora em Educação pela UFPE e Universidade
de Lyon 2/França.
Fique sabendo https://bit.ly/2Yt4W6l
Leia mais https://bit.ly/2Jl5xwF
Excelente texto que levanta proposições e aponta para um momento de repensar modelos e práticas sociais educacionais.
ResponderExcluirExcelente texto! Nossa educação tem que ser voltada para o ser realmente, nossas crianças estam muito fragilizadas precisando da educação da afetividade!
ResponderExcluirTexto maravilhoso Renata. A leitura me fez viajar...não pra tão longe por mais que profundo seja cada palavra dita, cada parágrafo percorrido, por mais real e impactante que o texto nos remete a refletir através das entre linhas...Viajar primeiramente para o interior do meu interior. Onde se faz necessário esvaziar a "bagagem" do "achismo" e do medo. E perceber que precisamos ser otimistas (mesmo que as circunstâncias nesse momento pareçam impossíveis). Que precisamos nos encher de esperança. Mas, acima de tudo, tentar. Não desistir de ninguén. Ao mesmo tempo "viajei" lá pra escola. Lembrando de cada criança e suas famílias, seus lares, suas condições sociais, econômicas e também emocionais...Precisamos reinventar um jeito tecnológico de vivenciar práticas pedagógicas através das ferramentas que a criança e a família tem acesso. Sei que não será fácil, mas precisamos tentar e mesmo em isolamento social estarmos juntos!
ResponderExcluirObrigada por tantas verdades e várias reflexões.
ResponderExcluirRenata, quero parabenizar por este trabalho aqui publicado,o mesmo refleti a nossa realidade pessoal e profissional.
ResponderExcluirPor causa dessa pandemia finalmente nós educadores e outros seguimentos vamos ter que repensar a educação...principalmente a escola, repensar como sistematizar o conhecimento com ajuda e parceria de terceiros atores;Reinventar estrategias de ensino aprendizagem.
Amei o poema ...espero não perder mais nenhuma de suas publicações.