Conselho
de Ministros: Bolsonaro e Guedes
Paulo Kliass, portal
Vermelho www.vermelho.org.br
O registro da reunião ministerial de 22 de abril de 2020 vai
ficar como um importante marco na história política brasileira. Ao tornar
público o verdadeiro circo de horrores comandado pelo capitão que se tornou
Presidente da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) oferece uma
importante lição de democracia e transparência na condução da coisa pública.
Tudo aquilo que se espera de um
encontro do chefe do Executivo com seus principais auxiliares em um momento de
profunda crise de múltiplas dimensões no país esteve ausente do evento.
Xingamentos, baixarias, ilegalidades, irregularidades e desvios. Esse foi o tom
principal da conversa, que termina por retirar as últimas esperanças de boa
parte dos indivíduos, empresas e instituições que ainda imaginavam ter valido a
pena o apoio oferecido a Bolsonaro nas eleições de outubro de 2018. É o marco
do fim das ilusões para quem ainda vacilava em reconhecer a verdadeira natureza
do governo: um misto de incompetência político-administrativa e de
aprofundamento do autoritarismo fascistizante.
Um dos aspectos mais
interessantes do chamado “Conselho de Ministros” (sic!), que entrou na berlinda
a partir da denúncia do ex juiz e ex ministro Sérgio Moro, refere-se à sua
pauta principal. Aquela reunião teria sido convocada para discutir o “Plano Pró
Brasil”, uma suposta tentativa do Ministro da Casa Civil, General Braga Neto,
de se contrapor ao protagonismo austericida e hiper liberaloide Paulo Guedes.
Ocorre que a divulgação dos áudios e da transcrição das intervenções durante o
encontro permitem concluir que a inciativa foi abortada pelo superministro, ali
mesmo no nascedouro.
Ao receber sinal verde de Bolsonaro para detonar a proposta que
pretendia dar um norte de direção pública para os investimentos tão necessários
para a saída da crise atual, Paulo Guedes acusou na frente de todos os
integrantes do governo a tentativa como sendo similar aos programas de Lula e
Dilma. Frente a tal carimbo nada receptivo nas hostes bolsonaristas, não se
poderia imaginar mesmo que o projeto tivesse continuidade. A partir dali, nunca
mais se ouviu falar em qualquer movimento de questionamento do protagonismo do
superministro no comando da economia.
Granada nos servidores e privatização do BB
Além
disso, o “old chicago boy” ainda perfilou outras cenas que ficarão registradas
para sempre. Em uma clara reverência ao seu chefe capitão, lançou mão de imagem
de sabotagem militar para verbalizar seu conhecido e reiterado ódio aos
servidores públicos. De acordo com o preconceito do banqueiro, estes não
passariam de vagabundos privilegiados, uns parasitas que não gostam de
trabalhar e recebem salários astronômicos. Sabendo que Bolsonaro sempre se
orgulhou de sua “especialidade em matar”, Guedes fala de colocar uma granada no
bolso dos servidores. Imagine-se a real intenção por trás de tal imagem. O
primeiro grande equívoco: identificar esse importante segmento de nossa
sociedade como sendo seu inimigo. A seguir, o verdadeiro ato falho: expressar
de forma cristalina a maneira como trata seus adversários na política: pela via
de sua eliminação pura e simples.
A segunda cena digna de nota trágica refere-se à sua insistência
em privatizar as empresas estatais. Essa verdadeira missão destruidora do
Estado brasileiro parece perseguir a vida de Paulo Guedes. No encontro revelado
ele volta a destilar todo o seu ódio à presença do Banco do Brasil, da Caixa
Econômica Federal e do BNDES na cena econômica brasileira na condição de bancos
públicos. Revela sua profunda indignação em não ter conseguido, ainda, levar a
cabo a privatização de todos eles, mas guarda um sanha assassina toda especial
para o BB. E saiu-se com o desabafo revelador do tipo de estadista que guarda
dentro de si:
(…) “Então tem de vender essa porra logo” (…)
Estamos em meio a uma das
maiores depressões econômicas da história do capitalismo. Os olhos e as
atenções dos principais dirigentes e líderes políticos mundiais estão voltados
para a busca de mecanismos capazes de colaborar para a superação da crise
provocada pela pandemia. Onze entre dez economistas do próprios establishment
global reconhecem agora a importância da existência de instituições públicas
para atuar nesse sentido. Mas Paulo Guedes e seus aliados do financismo
tupiniquim resistem bravamente e seguem na direção oposta. Pretendem privatizar
os principais agentes do Estado brasileiro na dimensão financeira. Seu projeto
não é nem vender “bem”, mesmo que seja sob a ótica tacanha das finanças
públicas – arrecadar mais para os cofres do Tesouro Nacional. Não, nem isso.
Sua intenção é vender “logo”, o mais rápido possível. Ora, tal estratégia
criminosa significa transferir o patrimônio público a preços irrisórios ao
capital privado, uma vez que a recessão joga o preço dos ativos lá para baixo.
Turismo
sexual a qualquer preço
A terceira participação escandalosa de Guedes na reunião remete
à reafirmação do sentimento de subalternidade do Brasil na esfera
internacional. O complexo de vira lata se vê elevado à enésima potência e a
calhordice impera no discurso a favor da transformação de nosso país em mero
espaço de atração para os bilionários e milionários do mundo virem aqui gastar
seus tostões. Essa auto entrega vale tanto para justificar a transformação de
nossa costa cheia de belezas naturais em mega empreendimentos espelhados no
péssimo exemplo de Cancun, quanto para estimular o turismo sexual. Afinal, se
não se levar em conta as deformações e os abusos embutidos na prática, elas são
atividades que trazem recursos externos, sempre na visão estreita e deformada
do economista de planilha. E o mais impressionante é que ele dirige a sua fala
àquela que pretende ser a porta voz e o receptáculo dos setores mais moralistas
e culturalmente conservadores do governo – a Ministra da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos Damares Alves.
O superministro é um profundo
conhecedor dos meios e dos hábitos dos frequentadores do universo do financismo
internacional. A corrupção pela força da grana não o incomoda. Esse foi o seu
universo desde sempre, um espaço onde ele transita com conhecimento de causa e
facilidade no trato. A ponto dele não ver nenhum problema em transformar nosso
país em apenas mais um ponto no mapa a disputar a atração internacional desse
tipo de gente para esbanjar seus dinheiros. E aqui, mais uma vez, ele não mede
suas palavras, ainda que se reportando a uma mulher e pastora evangélica,
teoricamente carregada dos valores pudicos do neo pentecostalismo de nossas
terras. E lá vai ele:
(…) “Damares, o presidente fala em liberdade. Deixa cada um se
foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e
bilionário. Deixa o cara se foder, pô!” (…)
O enredo todo da reunião
se desenrolou como se tratasse de um papo de amigos homens em torno de uma mesa
de bar. Decisões governamentais, teoricamente sérias, são tomadas em cima de
suposições e achismos. Políticas públicas são tratadas como recomendações para
a turma lá de casa.
Infelizmente, outra questão
essencial a ser tratada, nem chegou a tomar o tempo dos conselheiros. O combate
ao covid 19 foi praticamente relegado, uma vez que o presidente o considera uma
“gripezinha” e a liberação irresponsável da cloroquina ganha ares de grande
panaceia redentora. Em 22 de abril, o Brasil registrava oficialmente 2.917
óbitos provocados pelo coronavírus. Um mês depois, no dia da liberação do vídeo
do encontro, o total chegava a 21.048 mortes. Ao longo desta semana,
infelizmente superaremos a marca dos 25 mil.
Guedes: vitória parcial e futuro incerto
Uma das poucas certezas que restam é a vitória política de
Guedes no embate contra a tentativa de recuperar algo inspirado no “Plano
Marshall” pelo General que ocupa a Casa Civil. Ao que tudo indica, Bolsonaro
resolveu adiar a solução para o caso da economia. Valorizou o passe do Posto
Ipiranga na reunião e fora dela, mas ambos sabem que algo precisa mudar. A
recessão do ano que vivemos será muito acentuada. Os otimistas falam de uma
queda do PIB de -5%. Já os mais realistas chegam a prognosticar -10%. É muito
cedo para qualquer número, mas o baque será expressivo. 2019 já foi um ano perdido,
com o Pibinho de Guedes mal chegando a 1,1%. Nos cálculos do Palácio do
Planalto, as eleições municipais deste ano (caso sejam mesmo realizadas) já
dadas como caso perdido.
Mas se Bolsonaro pretende
disputar com alguma chance sua reeleição em 2022, ele precisará apresentar um
balanço com um mínimo de elementos positivos de seu mandato. Ele necessitará
viajar o país com realizações a apresentar para o conjunto da população e não
apenas discursos inflamados para sua militância tresloucada. Está evidente que
sua estratégia passa pela tentativa de jogar no colo de governadores e
prefeitos a responsabilidade pela recessão e pelo desemprego. Afinal, ele
sempre teria sido a favor da retomada das atividades e pelo fim do
confinamento. Só que não.
Mas apenas esse discurso não
basta, por mais “competentes” que sejam seus operadores de marketing e das
redes sociais. Ele precisará realizar despesas públicas em 2021 e 2022 para
oferecer alguma mensagem positiva ao eleitorado. E isso vai totalmente contra a
política da austeridade guediana. Assim, ou o Ministro da Economia muda sua
orientação ou Bolsonaro provavelmente mudará o Ministro da Economia. As saídas
recentes e atabalhoadas de Mandetta, Moro e Teich estão aí para ninguém
esquecer.
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