Ovos
quebrados
Thiago
Modenesi
Assistindo hoje, 3 de maio de 2020, a live do presidente da República do Brasil na Esplanada dos
Ministérios, chego à certeza, à plena convicçãode que o presidente não é obtuso, mas sim um
estrategista com certo refinamento. O impacto pela pandemia de Covid-19 até
levou certo tempo para modular seu discurso, foi emparedado pela pandemia em
si, OMS, governadores, aliados que se tornaram adversários, a imprensa e a
maioria da opinião pública. Mas, nesse momento, conseguiu focar o mesmo.
Qual a ideia do presidente? Me parece que o atual mandatário optou por
assanhar seus 30 e poucos por cento de seguidores, municiá-los e fortalecer
suas bases junto ao empresariado, não o pequeno e médio, mas o grande
empresariado. Aquela turma que tem feito apelo nas redes sociais para as
pessoas voltarem a trabalhar, mas que, ela mesma segue em casa, nas suas
mansões ou nos carros de luxo que buzinam em frente aos hospitais e hostilizam
médicos e profissionais da saúde, como assistimos em Brasília, dias atrás.
Há quem duvide que Dilma tinha cerca de 30% ainda de apoio quando sofreu
impeachment? A esquerda ainda detém esse percentual até hoje nas urnas. A
diferença é que “seu Jair” tenciona sua base, exercita o apoio militar que
possui e ameaça os outros dois poderes sistematicamente, num cabo de guerra
permanente, desde antes de sua posse. Suas palavras não são mera bravatas, são
sinalizações de um presidente que, mesmo entupido de denúncias, desrespeitos
recorrentes a Constituição, vários pedidos de impeachment e outros mais, segue
peitando, amplificando para além da força que tem ao acuar os demais atores
políticos e instituições da República, estas preocupadas com as regras
democráticas, ele não.
Na opção que toma, opta por naturalizar as milhares de mortes por
covid-19, adota o discurso da inevitabilidade disso (extremamente em sintonia
com o discurso contra a ciência que mantém até o presente), que a quarentena
tomada pela larga maioria dos governadores (e dos governantes de todo o mundo)
prejudica o comércio e não garante vidas, faz uma opção pelos grandes, transforma
cidadãos brasileiros em números de estatísticas, tira o corpo do enfrentamento
à pandemia e transforma o Ministro da Saúde em um relator fúnebre de um avanço
de algo que poderia ser combatido, contido e tratado se houvesse uma união
nacional entorno disso.
Para Bolsonaro não importa, para ele só interessa voltar os shoppings e
os comércios, custe as vidas que custarem, importa não perder sua base nas
elites brasileiras mais abastadas, por isso apoia, pratica e incentiva a
proliferação do vírus. As idas às ruas do presidente nos últimos dias não é uma
molecagem, mas uma tática de aceleração de curva, para que quem tenha que
morrer morra logo, um genocídio em massa incentivado pelo principal detentor de
mandato eletivo no Brasil: o presidente da República.
Com custo alto, tira do colo o ônus da medida que toma, joga no
Congresso, no STF, nos governadores, na sociedade, menos nele. Pratica a máxima
de que “para fazer uma omelete é preciso quebrar os ovos”, e incentiva que
vários homens e mulheres não sintonizados na política, que confiam nas
instituições e na orientação do presidente, ouçam suas palavras, voltem as ruas
e morram para que a roda do mercado possa girar.
Temos um genocida frio no poder e, se não agirmos rápido, será difícil
sair com um país mais solidário e melhor dessa pandemia.
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