Tahuan Fernandes*
“Liberdade é uma palavra que o sonho humano
alimenta,
não há ninguém que explique e ninguém que não
entenda.”
Cecília Meireles
Cecília Meireles
Todo o mundo está acompanhando com
doses cavalares de espanto o que acontece no Brasil de maio de 2020. Os
brasileiros, a maioria de dentro de suas casas, assistem o anúncio de milhares
de vítimas da pandemia da Covid19, enquanto o governo finge que ela não existe.
Uma espantosa reunião ministerial recentemente revelada demonstra o nível de
confusão a que estamos submetidos: ameaças ao STF, politização da PF, cobranças
constrangedoras de defesa do governo, mentiras ditas sem nenhum embasamento, subestimação
da ciência...
Neste cenário, já surgiram diversos
argumentos surreais que mantém Bolsonaro com seus 30% de aprovação. Estes são,
ainda que débeis, capazes de mantê-lo no poder, com capacidade de dar chilique
em rede nacional com status de presidente. Mas um deles, uma grande mentira, é
o maior de todos, ao ver deste modesto escritor.
Me espanta vivenciar, neste século,
ainda o argumento de ameaça de algo ruim para justificar medidas autoritárias.
Mas é justamente o que está em curso no Brasil...
Trata-se da fala preocupante de
Bolsonaro na reunião citada: “... os caras querem é a nossa hemorroida, é a
nossa liberdade” e completa com o seguinte raciocínio “Como é fácil impor uma
ditadura no Brasil. ”;“(...) Por isso eu quero que o povo se arme, é a garantia
que não vai ter uma ditadura. ” A inquietante sensação de golpe afligiu todos
os olhares atentos nesse momento. Afinal, é uma clara demonstração política de
incentivo à violência popular por parte do chefe de Estado. Mas, para além
disso, destaca um pensamento principal que poucos se atentam.
É claro que Bolsonaro não se refere a
liberdade de ninguém, a não ser de sua família, amigos e apoiadores. Mas muita
gente desavisada se deixa levar pelo raciocínio “simples”, de que obviamente se
houvesse uma arma na sua mão, ninguém poderia pará-lo, e nem acontecer alguma
injustiça contra si ou contra sua família. Raciocínio individual, versus um
problema coletivo, erro natural sobre a percepção das coisas.
Afinal de contas, os armados pela
instauração de uma normatização do armamento amplo e irrestrito no Brasil seria
um recorte exato da população: os mais ricos e parte da classe média.Ricos de
maneira legal e ilegal, de empresários a milicianos. Além disso, estudos
norte-americanos afirmam que “o roubo a residências tende a aumentar em bairros
com predomínio de armas nas casas” (Cook e Ludwig, 2002.), sugerindo o que
muita gente especula, que as armas atraem assaltantes e podem aumentar a
insegurança individual.
A verdade é que nenhuma arma se
mostrou tão forte no mundo inteiro, na geração de grandes nações independentes
e evoluídas, quanto a educação. A
universalização do pensamento, da crítica e da capacitação das pessoas, não só
melhora a igualdade material e social, como em todos os estudos pelo mundo,
reduziu a violência. Um levantamento feito pelo Ipea em 2014 aponta que há uma
tendência de que, para cada 1% a mais de jovens nas escolas, há uma diminuição
de 2% na taxa municipal de assassinatos.
A marca, nos países asiáticos e
europeus que investiram fortemente em educação, é a redução histórica na
violência e na desigualdade. E esse é o verdadeiro significado de liberdade:
ter numa nação um povo capaz de criticar, se organizar e produzir uma economia
avançada. Liberdade de comprar armas significa apenas o livre comércio para o
enriquecimento de alguns empresários, e mais violência para muitos. Já a
liberdade da consciência, oferece muito mais que uma “prevenção” de uma
ditadura explícita, mas principalmente a possibilidade de um mundo novo, sem as
opressões que vivemos implicitamente, acumuladas por séculos de desigualdade.
Em contrapartida ao que seria
necessário para a liberdade de nosso povo, o ministro da educação abre mão de
sua institucionalidade e se demonstra apenas um militante bolsonarista. Um
ministro que, ao invés de falar em reunião com os outros ministros sobre as
dificuldades de ensino no Brasil devido à pandemia, ameaça ministros do STF.
Não existe, portanto, iniciativa para colocar a educação do país em outro
patamar do presente. O projeto “Future-se”, enviado para o congresso nacional
em plena pandemia, é apenas uma pauta bomba que tenta passar despercebida, e
sugere a flexibilização do status público das universidades. Um completo
desrespeito ao debate contraditório, que é uma premissa para a liberdade.
Bolsonaro fala em verdade, mas
escancaradamente divulga a mentira – propaga Fake News. É preciso também
escancarar o desrespeito a esta palavra tão bonita: “Liberdade”. Um país livre
com Bolsonaro é a maior Fake News de todas.
*Tahuan Fernandes é estudante de Engenharia Biomédica na UFPE, já foi
presidente da UEP-União dos Estudantes de Pernambuco e diretor da UNE-União
Nacional dos Estudantes. Conselheiro da Juventude no Recife, além de pai de
Helenira.
[Ilustração: Pieter Cornelis Mondiaan]
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