Entre o espelho e a linha do horizonte
Luciano Siqueira
Caminhamos para uma quase
unanimidade de vastos setores da sociedade brasileira quanto à imperiosa
necessidade de interromper o governo Bolsonaro.
Mas estamos muito
distantes ainda de encontrar o veio por onde se canalize, de modo convergente,
ideias e propósitos e alternativas para uma solução institucional hábil para esse
intento.
O presidente e seus
seguidores controlam o poder executivo, aonde chegou através do voto. Governa
com participação direta de mais de dois mil militares de diversas patentes, dentre
os quais generais ainda na ativa. Comete diatribes e leviandades cotidianamente,
porém serve aos interesses do rentismo e do imperialismo norte-americano ao
qual oferece o Brasil como aliado incondicional.
Por palavras e atos,
enquanto a equipe econômica esperneia para manter o figurino ultraliberal,
apesar da grave crise sanitária entrelaçada com a débâcle da economia, o
presidente fala para pouco menos de 30% da sociedade brasileira que constituem
sua base de apoio. Uma horda sensível a ideias e práticas fascistóides,
mobilizada pelas tais milícias digitais. Perde apoios, mas preserva força para
permanecer.
O campo
oposicionista, na outra ponta, ainda não se aglutinou em torno de um plano de
emergência para socorrer a economia e os que vivem do próprio trabalho e
preservar a democracia. Carece de maioria parlamentar — para um impeachment no
curto prazo, por exemplo.
Como disse Renato Rabelo,
presidente da Fundação Maurício Grabois em debate recente promovido pela CTB, o
jogo está empatado — e urge lutar para desempatá-lo. Com descortino, amplitude e sagacidade.
Porém no meio do
caminho há algumas pedras. Dentre elas, quase na dimensão de um imenso rochedo a
impedir o livre trânsito dos que pugnam por uma solução para a crise, aqueles
que não enxergam o drama nacional que não seja rigorosamente a partir do
próprio umbigo e de uma suposta obrigatoriedade de preservação da hegemonia e
de uma liderança suprema. Olham para o espelho e não vislumbram a linha do
horizonte.
Isto em contraste com
a ampla convergência de governadores e prefeitos de capitais e cidades grandes
e médias, que têm sido capazes de enfrentar com altivez a presidência da República;
e com articulações igualmente plurais e amplas, como a das centrais sindicais e
entidades do campo democrático.
Hegemonia se
conquista com méritos. E se perde por demérito.
Num instante em que
se faz absolutamente necessário juntar forças, sem sectarismos nem
preconceitos, mover a metralhadora giratória a fim de acertar contas com desafetos
de todos os matizes e purgar ressentimentos leva a lugar nenhum. Contribui para
a continuidade da crise e dos males dela decorrentes.
[Ilustração: Roberto Botelho]
Nenhum comentário:
Postar um comentário