12 junho 2020

Discriminação racial


Faltam técnicos negros no Brasil
Há uma cultura racista no país, explícita ou dissimulada, que se reflete também no futebol
Tostão, Folha de S. Paulo


No Brasil, são frequentes as contradições e a prática tendenciosa. Muitas pessoas procuram, até achar, mesmo com fatos sem importância, que combinam com o que pensam. Absurdos se tornam verdades. Decepcionante.

Enquanto aumenta o número de infectados e de mortos, governos e dirigentes de futebol usam argumentos convenientes para afrouxar o isolamento e estimular as aglomerações, o que agrava a tragédia e a mantém por mais tempo.

CULTURA RACISTA

Muitas pessoas, conformistas e/ou alienadas, acham que existem poucos negros na maioria das atividades profissionais no Brasil porque eles vêm de famílias pobres e não tiveram condições de estudar. Isso existe, mas não é a única causa. Há uma cultura racista no país, explícita ou dissimulada, que não percebem ou fingem não ver.

No passado, as posturas racistas eram mais frequentes e mais toleradas, especialmente em estádios. Os jogadores negros, como Pelé, eram chamados de macacos, como ainda acontece hoje.
No meio de uma multidão, os racistas se sentem mais protegidos e corajosos para fazer o que querem, como se eles não fossem responsáveis por seus atos, e sim o grupo. Durante as partidas, vários negros eram ofendidos pelos marcadores. Até hoje, algumas pessoas, quando querem elogiar um negro, dizem que eles têm alma branca. Um horror.
No futebol, com tantos craques negros ---a miscigenação é uma das razões da habilidade e da criatividade brasileira---, atualmente existe apenas um técnico negro na Série A do Brasileiro, Roger Machado, do Bahia. Muitos dirigentes acham que os negros não têm preparo intelectual para comandar um grupo.

Andrade, ex-jogador do Flamengo, se tornou auxiliar-técnico. Houve uma vaga, ele virou interino e foi campeão brasileiro. Apesar do prestígio do título, Andrade, pouco tempo depois, foi dispensado e só foi convidado para treinar times pequenos. Desistiu da carreira.
Evaldo, centroavante do Cruzeiro nos anos 1960, era muito lúcido, inteligente, esclarecido e com alto conhecimento das coisas. Ele se preparou para ser treinador e chegou a dirigir as categorias de base do clube. Porém, sempre que aparecia uma vaga de técnico da equipe principal, ele era preterido por um branco, mesmo se não tivesse qualidade para o cargo. Evaldo desistiu.

HÁ 50 ANOS

No dia 10, quarta-feira, 50 anos atrás, a seleção brasileira venceu a Romênia, por 3 a 2, na Copa de 1970, mesmo sem grande brilho. Bastava um empate para ficar em primeiro lugar no grupo.
Gérson e Rivellino foram poupados. Paulo Cézar Caju, que já tinha atuado muito bem contra a Inglaterra, continuou pela esquerda. Piazza jogou de volante, ao lado de Clodoaldo. Fontana entrou na zaga. Mudou a estrutura tática, e piorou a qualidade individual. Quem deveria ter entrado naquele jogo, no meio-campo, era Dirceu Lopes, que estava no Brasil, dispensado por Zagallo.
Na concentração da seleção, não havia ordem para não se falar na ditadura que assolava o Brasil. Além disso, os jogadores queriam só saber de ganhar a Copa. Não estavam interessados nem curiosos do que acontecia no Brasil. Era difícil também se comunicar, pois não havia internet e até falar por telefone era demorado.
Mesmo no Brasil, sabia-se pouco das atrocidades, que só ficaram conhecidas ao longo do tempo. De vez em quando, eu conversava com meus três irmãos mais velhos e politizados, que me davam notícias.
[Na foto, Roger Machado, técnico do Bahia]
Intolerância para quê?  https://bit.ly/3eQE5WQ

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