A Covid-19 e as cidades
inteligentes
Será preciso apostar em intervenções rápidas em escalas territoriais
menores
Clovis
Ultramari, Paulo Saldiva e Wilson Levy, na Folha de S. Paulo
A
pandemia do novo coronavírus trouxe enorme impacto a todas as dimensões da vida
urbana e reposicionou, com destaque, o planejamento e a gestão das cidades. O
lar das pandemias é o ambiente
urbano, onde se promove a proximidade entre pessoas. No século 20,
houve duas: a gripe espanhola e a gripe asiática. Neste século 21, o mundo já
experimentou quatro: Sars (2002), H1N1 (2009), Mers (2012) e Sars-CoV-2,
episódios que tiveram como cenário a organização e funcionalidade das cidades
modernas.
Enfrentá-las
requer o suporte da ciência. Por isso, ganha força a ideia que políticas
públicas para cidades inteligentes e resilientes devem ser baseadas em
evidências.
Primeiro,
é preciso ter clareza do que é uma cidade inteligente. Este é um conceito mais
amplo do que supõe o senso comum, porque não tem a ver só com tecnologia
aplicada ao território, mas à maneira como a vida urbana pode favorecer a
produção do conhecimento e seu aproveitamento tanto na discussão de modelos de
política pública quanto na própria gestão urbana.
A própria
ideia de cidade, nesse sentido, traz pistas sobre o tema. Para Max Weber,
grandes revoluções tiveram uma relação direta com a urbanização do mundo. Sua
hipótese, acertada, é que isso ocorreu porque a cidade induz a um aumento na
interação entre as pessoas, que passaram a se comunicar e a produzir
conhecimento numa intensidade maior.
Cidades
inteligentes, então, são cidades generosas com a inovação e a criação de novas
ideias. E se elas aproximam pessoas com habilidades e competências distintas, é
hora de superar os limites disciplinares dos saberes e colocá-los para estudar
os problemas urbanos, segundo os critérios da ciência, criando soluções que
tornem a vida urbana melhor.
Enquanto o mundo se
volta para o desenvolvimento
de fármacos e de uma vacina, as dinâmicas econômicas, as formas de
uso e ocupação do solo urbano e o problema da desigualdade social nas cidades
necessitarão do suporte de novas ideias. Será preciso apostar em políticas
intersetoriais e intervenções rápidas em escalas territoriais menores. Questões
de saúde impactarão deslocamentos e frequência nas escolas. O zoneamento deverá
prever o uso de residências para teletrabalho. Não haverá espaço para
experimentalismo. Toda teoria deverá passar pelo crivo das evidências práticas.
A
transformação será profunda. E envolverá a pesquisa em planejamento urbano no
Brasil, que se ressente de maior apropriação de indicadores para, por exemplo,
avaliar o êxito, ou não, dos objetivos e diretrizes contidos num Plano Diretor
ou num Plano Municipal de Habitação. O reflexo disso é sentido na qualidade das
políticas públicas. O apego conceitual sem bases mensuráveis pode se traduzir
em ações estatais fundamentadas em intuições, produzindo ações desconectadas de
problemas reais e incapazes de entregar o que prometem.
Levantamento
em indexadores científicos, por exemplo, sugere que estudos de saúde com base
territorial têm maior presença em revistas de alto impacto na ciência do que as
pesquisas em planejamento urbano, pois trazem abordagens baseadas em
evidências. Produz-se, portanto, mais conhecimento de impacto sobre cidades na
saúde do que em planejamento urbano!
Eventos como prematuridade, suicídios, infartos, incidência de cânceres
e fraturas têm relação intrínseca com dados demográficos, poluição, arborização
urbana, qualidade das calçadas, oferta e distribuição de equipamentos públicos
e acesso a saneamento básico —e interessariam mais aos estudos sobre as cidades
do que as velhas fórmulas produzidas para explicá-las.
Ao se abraçar essa nova perspectiva, não se está fazendo concessões a
uma tecnocracia que teria dominado o pensamento urbanístico do século 20.
Tampouco se está neutralizando disputas e tensões típicas da política. Decisões
sobre o território sempre serão decisões políticas. A elas, contudo, não é
assegurado o direito de ocorrer fora da racionalidade. O mesmo ocorre com a
participação social. Ao entender a dinâmica racional que deve permear as decisões,
os cidadãos compreenderão sua complexidade e limites e estarão menos inclinados
a apoiar decisionismos.
A maior lição da pandemia é a certeza que se uma decisão política
ocorrer à margem da razão, ela não será uma boa decisão. Que saibamos
aproveitá-la também para as nossas cidades.
Clovis Ultramari, Professor da PUC-PR e coordenador
da área de Planejamento Urbano/Regional e Demografia da Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); Paulo Saldiva, Professor da Faculdade de Medicina da USP; Wilson Levy,
Professor e
diretor do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove
No Recife tem sido assim https://bit.ly/3dF20bM
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