Bolsonaro e o vírus,
enfim sós
Veto do presidente aos socorros para os indígenas é
de baixeza inominável
Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo
Entre Bolsonaro e o coronavírus, não se sabe qual contaminou o outro.
Está comprovada, no entanto, a associação de ambos para deslocar
as atenções postas em três assuntos já próximos da implosão: os feitos e
efeitos da ligação de Bolsonaro com o advogado e etc. Frederick
Wassef; a inclusão do gabinete do filho Carlos nos desvios de verba
pública que embrulham o filho
Flávio e as 350 movimentações de cargos e remunerações no gabinete de
Jair Bolsonaro quando deputado.
Esse levantamento, feito pelos repórteres Ranier Bragon e
Camila Mattoso, desce a período bastante
anterior às “rachadinhas” no gabinete de Flávio.
Com isso, sugere uma linhagem de práticas hereditárias cuja
origem e o centro ficam claros. Uma face da trama ganha forma. A outra, que
apresenta coadjuvantes como Fabrício Queiroz e sua mulher, é a da conexão
miliciana que não cabe na responsabilidade pespegada em Queiroz.
A propósito, os vários celulares recolhidos com Adriano da Nóbrega, em seu assassinato na Bahia, sumiram nas artimanhas de polícias e promotorias,
indicação certa de sua capacidade explosiva para poderosos na milícia, na
polícia ou na política. Ou, sem ressalvas, nas três.
Mas não é nesses fatos e indícios que o ministro da Justiça e
pastor André Mendonça vê incursão na Lei de Segurança Nacional, por mais que
possam tangenciar a própria Presidência da República.
Ainda impregnado, ao que parece, do culto à ditadura, não
reconhece nem esta obviedade que humilha o Brasil no mundo: não há como
“difamar e caluniar” Bolsonaro, como concluiu a nublada leitura de Hélio
Schwartsman pelo ministro.
Schwartsman pelo ministro.
Prevalece a razão irreparável de que são públicas e notórias, e
não recônditas ou inventadas, as ameaças à vida, os atos destrutivos e
antissociais do desvario de Bolsonaro.
Embora a relação entre a Covid-19 e Bolsonaro não mereça, a meu
ver, senão indiferença igual à dele pela vida e o sofrimento dos demais,
compartilho a convicção de que sua continuidade no governo
será sempre perniciosa.
será sempre perniciosa.
Mesmo a pouca sabedoria da humanidade foi capaz, porém, de criar
soluções aquém da morte. O problema é que também dependem do caráter e da
contenção de ambições por parte de outros —algo
pouco encontradiço onde, no Brasil, precisaria proliferar.
pouco encontradiço onde, no Brasil, precisaria proliferar.
Agora mesmo, Bolsonaro está comprovando o quanto é pior do que o
vírus, este capaz de encerrar sua perversidade. O veto de Bolsonaro aos socorros aprovados no Congresso
para os indígenas, medidas e auxílios
materiais singelos, é de baixeza inominável. É condenação, por meio apenas de
ligeira canetada, à morte e ao sofrimento de indefesos. Crime.
Ainda não chegou aos indígenas, mas a Amazônia e sua defesa
começam a receber do mundo mais do que palavras queixosas e românticas. A
floresta arde, em recordes de fogo. Sem estar ainda no mês quase sempre mais
incandescente, agosto.
O vice Mourão caiu na armadilha e, feito responsável pela
Amazônia, vai arcar com os futuros
ataques que seriam para Bolsonaro. Mourão tem o título, o poder de fato foi
deixado com o maléfico Ricardo Salles, que, como ministro do Meio Ambiente, tem
vocação para penitenciário.
Bom, Mourão prometeu a empresários 120 dias de trégua no
fogaréu, no desmatamento e no
garimpo. E depois? Depois nada, nem haverá depois, porque não haverá trégua.
Salles desmontou os serviços de preservação, vigilância e repressão. Dois
ex-coordenadores de Fiscalização Ambiental do Ibama, Renê Luiz de Oliveira e
Hugo Loss, deram valentes depoimentos sobre a ação nefasta de Salles e
Bolsonaro contra o combate a madeireiros, incendiários e garimpeiros. O governo
não está do lado da Amazônia, como não está do lado do combate à pandemia.
A maior diferença entre Bolsonaro e o coronavírus é que o
segundo não tem aliados, nem generais a aplaudi-lo e protegê-lo.
No Brasil de agora, objeções a uma frente ampla são
puro infantilismo https://bit.ly/2YfnI0v
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