Romper com o austericídio!
O momento atual, por mais duro que seja, pode oferecer a alternativa de
se combinar a luta pela superação desse governo com a ruptura do dogma da
política econômica conservadora.
Paulo Kliass, portal Vermelho www.vermelho.org.br
Os números catastróficos da realidade social em nosso País
parecem não serem suficientes para sensibilizar o Presidente Bolsonaro e seu
todo poderoso Ministro da Economia. É impressionante como a dupla responsável pelo genocídio e pela destruição que
nos abate segue ignorando os efeitos da profunda crise que
afeta a grande maioria da população. O primeiro insiste em suas aparições
públicas cotidianas sem nenhuma proteção, ao passo que o segundo só comparece a
conversas privilegiadas com seus pares de bancos e instituições financeiras.
Parecem viver candidamente em uma realidade paralela, mas com certeza serão
cobrados no futuro por tamanha irresponsabilidade.
Estamos nos aproximando
rapidamente do novo patamar de óbitos provocados pelo covid-19, que atingirá 60
mil perdas de vidas ao longo dos próximos dias. Apesar disso, o presidente
insiste em manter um general como interino no Ministério da Saúde e os recursos
tão necessários para minorar o drama da crise sanitária nem chegam sequer na
ponta do Sistema Único de Saúde. O governo brasileiro é visto como
irresponsável pelo resto do mundo no tratamento da questão e isso contribui
ainda mais para reforçar nosso isolamento diplomático crescente desde janeiro
de 2019.
O IBGE acaba de divulgar as estatísticas mais recentes
sobre o desemprego. Os dados são igualmente alarmantes. Os analistas
se preocupam com a velocidade de destruição de postos de trabalho, que atingiu
a marca de 7,8 milhões de vagas a menos desde o início da pandemia. O
desemprego oficial subiu para 12,9%, correspondendo a quase 13 milhões de
pessoas que se declaram sem trabalho. Para além da quadro dramático agudizado
pela crise do coronavírus, o fato é que a chegada a tais níveis elevados de
desemprego remontam ainda a 2015, quando Joaquim Levy foi chamado por Dilma
para o Ministério da Fazenda e começou a colocar em marcha a criminosa
estratégia do austericídio.
Mortes, desemprego e recessão.
As previsões para o desempenho
da economia em 2020 tampouco são suficientes para preocupar o Palácio do
Planalto e o núcleo duro do governo. A própria nata do financismo expressa, por
meio da pesquisa semanal encomendada junto a eles pelo Banco Central, que a
situação é muito grave. A edição mais recente da pesquisa Focus aponta para um
recessão de -6,5% ao longo do ano. Esse mesmo pessoal que apostava todas as
suas fichas na chegada de Paulo Guedes ao comando da economia e dizia em março
que o PIB iria crescer 2% em 2020. Um misto de ufanismo, enganação e
irresponsabilidade. Já os economistas e institutos de pesquisa mais razoáveis
apontam para uma queda de 10% no Produto. O próprio FMI estima em -9,1%. Ou
seja, o quadro é mesmo bastante sério.
Essa estratégia de banalizar o
terrível e naturalizar o dramático se consolida no interior do grupo no poder e
conta com o apoio de seus seguidores incondicionais, cada vez mais alucinados.
O negacionismo e o terraplanismo que marcavam o primeiro ano da gestão não
estavam mesmo no roteiro de Bolsonaro como mero acidente de percurso. Problemas
com desmatamento? Ora, a solução passa por desacreditar os índices oficias do
INPE. Problemas com os dados assustadores da crise do covid-19? Simples, basta
que mudemos os responsáveis na pasta da saúde, bem como a própria sistemática
de coleta e divulgação das informações.
Enquanto governos pelo mundo todo parecem finalmente terem
tomado consciência da necessidade de mudar as formas de se enfrentar a crise,
por aqui a inércia da ortodoxia burra e conservadora segue dominante. Paulo
Guedes mantém a repetição do mantra mentiroso do “não temos recursos” e se
recusa a promover mudanças na orientação da política econômica. Assim, libera
sem nenhum pudor trilhões de reais para proteger seus apaniguados do sistema
financeiro dos efeitos indesejados da crise, ao passo em que posterga ao máximo
o pagamento de míseros R$ 600 para as milhões de famílias tão desassistidas quanto
necessitadas de tais recursos para tentarem sobreviver.
A profundidade da crise em
escala planetária e seus rastros de destruição colocaram em evidência que
existem alternativas para seu enfrentamento. Finalmente, depois de tanto tempo,
tudo indica que formuladores de políticas públicas passam a abrir seus olhos
para a incapacidade das políticas de austeridade resolverem minimamente o
quadro urgente e complexo. Assim, as ideias de uma abordagem alternativa ao
dogma austericida começam a ganhar visibilidade. Trata-se de um corpo amplo de
propostas que são conhecidas por Teoria Monetária Moderna.
Sim, existe alternativa a esse desastre.
Dentre suas contribuições relevantes ao debate da economia,
podemos destacar algumas que caem como uma luva para as necessidades que
vivemos atualmente. A suposta dramaticidade da “questão fiscal” é colocada sob
suspeita, uma vez que o processo de endividamento do setor público não é mais
visto como pecado mortal. Dívida pública e déficit público deixam de ser
carimbados como heresia a ser evitada a qualquer custo. Pelo contrário, o
governo pode e deve aumentar sua dívida para dar conta das necessidades sociais
e econômicas do país. Estados Unidos, Japão, Canadá e países da União Europeia
estão aí para mostrar que índices de endividamento em relação ao PIB próximos
ou mesmo superiores a 100% não significam o final dos tempos. Ufa! Antes tarde
do que nunca.
Por outro lado, o dogma de que
o governo não pode emitir moeda sob risco de provocar necessariamente elevação
dos índices inflacionários também é colocado em questão. Nem toda emissão
monetária provoca crescimento de preços, muito menos em um quadro de depressão
econômica como o atual. Pelo contrário, o governo precisa gerar recursos e
colocá-los à disposição dos chamados agentes econômicos. E isso pode ser feito
por diversos modos: seja por meio de transferências diretas e indiretas para os
setores da base da pirâmide social, seja por meio de alocações direcionadas
para as empresas. Finalmente, começa a ganhar ares de consenso a ideia de que o
gasto público se transforma na demanda tão necessária no momento em que
vivemos. Ou seja, não há perspectiva de saída da recessão e da retomada do
crescimento sem o aumento da despesa do Estado.
Porém, essa interpretação do
processo da economia enfrenta sérias resistências em nossas terras. O poder do
financismo tupiniquim é ainda enorme e seus agentes conseguem impedir que tal
debate ganhe a amplitude que merece nos meios de comunicação. Ainda que alguns
desses setores passem até mesmo a considerar interessante a frente ampla contra
o governo Bolsonaro, não aceitam de modo algum questionar os dogmas da
austeridade a qualquer custo. As páginas de economia dos jornalões e as
matérias exibidas nas telas insistem em oferecer todo o apoio a Paulo Guedes e
seu programa destruidor, alertando para a necessidade de se manter o
austericídio agora e no período pós pandemia.
No entanto, a crueldade do mundo real às
vezes fala mais forte. O momento atual, por mais duro que seja, pode oferecer a
alternativa de se combinar a luta pela superação desse governo com a ruptura do
dogma da política econômica conservadora. A saída de Bolsonaro e Paulo Guedes deverá
restabelecer a ordem democrática, recuperar o pacto social previsto na
Constituição de 1988 e propor a retomada de uma estratégia desenvolvimento com
distribuição de renda e redução das desigualdades.
Crise sem fim envolve o governo https://bit.ly/2ArYe6Y
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