George Dimitrov: líder histórico da luta contra o nazifascismo
Ao desmascarar o fascismo – ameaça
que continua presente hoje em vários países e inclusive no Brasil –, Dimitrov apresentou uma tática de luta política
inigualável.
Pedro Oliveira*
Normalmente
costuma-se comemorar e relembrar datas redondas relacionadas a grandes líderes
e fatos da história da humanidade. Agora mesmo, acabamos de celebrar os 75 anos
da Vitória da Guerra Patriótica da União Soviética contra o Nazismo, que na
verdade decidiu a II Guerra Mundial, com a realização em Moscou de um grandioso
desfile referenciado em uma parada militar igualmente inesquecível, ocorrida em
1945, na Praça Vermelha.
Entretanto,
as circunstâncias históricas atuais, tanto no mundo quanto no Brasil, fazem-nos
lembrar da luta contra o nazismo e o fascismo, em seus primórdios, quando Adolf
Hitler assumiu o poder na Alemanha. Em junho deste ano de 2020, recordamos o
nascimento de uma figura emblemática desta luta encarniçada e de grande
projeção estratégica para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras de todo o
mundo: o registro dos 138 anos do nascimento do líder comunista búlgaro George
Dimitrov.
Ninguém melhor do que
Bertolt Brecht para pontuar este artigo com os versos do seu poema
“Ao
Camarada Dimitrov”, quando lutou diante do Tribunal fascista em Leipzig.
“Camarada Dimitrov!
Desde o dia em que
lutastes diante do tribunal fascista
a voz do comunismo,
cercada pelos bandos
de matadores e bandidos da SS,
através do ruído dos
chicotes e cassetetes,
fala bem alto e
nítida
no centro da
Alemanha.”
Na noite de 27 para
28 de fevereiro de 1933, agentes do recém-empossado novo chanceler da Alemanha,
Adolf Hitler, sorrateiramente atearam fogo ao Reichstag, em Berlim – o
Parlamento do país –, a partir de um local onde as ruas próximas eram vigiadas
fortemente pela polícia política do nazismo, e acusaram os comunistas como
autores do atentado.
Alguns
dias depois, foram presos militantes comunistas, assim como o dirigente e
membro do Comitê Executivo da Internacional Comunista e do Comitê Central do PC
Búlgaro, George Dimitrov, ao lado de alguns de seus camaradas que estavam na
Alemanha. A polícia nazista tomou também a providência de prender um militante
holandês, chamado Van der Lubbe.
Dimitrov
foi indiciado por ter supostamente participado do plano do atentado ao
Reichstag. Na ocasião, foi instaurado um processo jurídico-político – que
passou para a história como uma gigantesca farsa nazifascista do Tribunal de
Leipzig – para criminalizar os comunistas e desencadear feroz repressão contra
as massas populares na Alemanha. Nesse processo, Dimitrov, não aceitou
interpostos defensores e assumiu sua própria defesa. Rejeitou o estatuto de réu
e transformou-se em acusador do Terceiro Reich e dos seus juízes.
O
roteiro da peça farsesca montada pela propaganda hitlerista não havia previsto
tal desfecho. Os chefes do Partido “Nacional-Socialista” alemão (NSDAP), sob o
comando de Hitler, tinham a convicção plena de que os comunistas haveriam de
sucumbir diante da condução do processo instaurado sob precárias condições
prisionais e por obstáculos apresentados pelo Tribunal à defesa dos réus. O
processo culminou com um julgamento por tribunal, como de fato aconteceu.
Todo
o julgamento estava montado para consagrar o novo governo hitlerista e para se
transformar num elemento decisivo para a criminalização e perseguição dos
comunistas e, por consequência, de toda e qualquer oposição. A transmissão das
sessões do Tribunal pelo rádio testemunhava a certeza que o novo governo tinha
em relação a um desfecho do processo favorável ao nazismo. Os hitleristas não
contavam é com a coragem e a grandeza moral do dirigente da Internacional
Comunista.
O revolucionário
búlgaro desmontou os alicerces da acusação e desmascarou, uma por uma, as
testemunhas apresentadas, mesmo quando duas delas foram nada mais nada menos do
que dois dos mais destacados dirigentes nazistas e ministros do Terceiro Reich:
Herman Göering e Joseph Goebbels.
O
tipógrafo e sindicalista, nascido há 138 anos – completados no mês de junho
passado, em Kovachevtsi, uma localidade búlgara — primeiramente
confrontou-se com o general do Exército nazista, que perdeu completamente as
estribeiras. Göering saiu totalmente desacreditado com sua conduta de acusador.
Já o ministro da Propaganda, Gobbels (recentemente imitado por um dos membros
do governo Bolsonaro que acabou demitido por seu desempenho grotesco no
episódio), nem mesmo recorrendo a toda a sua retórica, foi capaz de levar a
melhor perante Dimitrov.
Com
argumentos sólidos e firmeza inabalável, o dirigente comunista deixou evidente,
aos olhos do mundo, que os nazistas, e tão-somente eles, beneficiavam-se do
incêndio do Reichstag, e que o único golpe que se preparava era o de Hitler
rumo ao poder absoluto.
“(…)Voz que pôde ser ouvida em todas as
nações da Europa,
que através das
fronteiras ouvem o que vem
do escuro, elas
mesmas no escuro,
mas também pôde ser
ouvida
por todos os
explorados e espancados e
incorrigíveis
lutadores
na Alemanha.”
Desta maneira,
Dimitrov protagonizou a primeira grande derrota ao nazismo, dentro de seus
próprios tribunais, em Leipzig e posteriormente, em Berlim. Com isso, o
dirigente comunista deu forte impulso à formação de uma ampla frente
antifascista em nível mundial. Foi um grande exemplo dado à juventude e ao
movimento operário e sindical para o combate ao pior inimigo dos povos naquela
época: o nazismo.
Ao
desmascarar o fascismo – ameaça que continua presente hoje em vários países e
inclusive no Brasil –, Dimitrov apresentou uma tática de luta política
inigualável: a síntese que fez em pleno tribunal da tática dos comunistas
representa ainda hoje um lema mobilizador para os revolucionários de todo o
mundo: trabalho de massas, luta de massas, resistência de massas, frente única,
nenhuma aventura!
Em
seu informe ao VII Congresso Mundial da Internacional Comunista, pronunciado em
13 de agosto de 1935, Dimitrov asseverou que os comunistas “são partidários da
frente única, defendem, desenvolvem e fortalecem o movimento de frente única,
visto que este movimento de frente única é um movimento de luta contra o
fascismo e a reação, e será sempre a força motriz que empurra os governos de
frente única para lutar contra a burguesia reacionária. Quanto com maior
força se desencadeia este movimento de massas, tanto maior será a força que
possa oferecer ao governo para lutar contra os reacionários. E quanto melhor
organizado pela base, este movimento de massas, e maior seja o número dos
órgãos de classe da frente única situados à margem do Partido nas empresas
entre desempregados nos bairros operários, entre gente simples da cidade e do
campo, tanto maiores serão as garantias que se terão contra uma possível
degenerescência da política do governo de frente única”.
(…) Com avareza utilizas, camarada Dimitrov,
cada minuto
que te é dado, e o
pequeno lugar que
ainda é público,
utiliza-o
para todos nós.
Mal dominando a
língua que não é a tua
sempre advertido aos
gritos,
várias vezes
arrastado para fora,
enfraquecido com as
algemas,
fazes repetidamente
as perguntas temidas.
Incriminas os
criminosos e
leva-os a gritar e te
arrastar e assim
confessar que não têm
razão, apenas força.”
Apesar de derrotado
jurídica e politicamente no julgamento do incêndio do Reichstag, a máquina
nazista conseguiu empulhar em certa medida a população e, uma semana após,
propagandeando o perigo dos comunistas, do que o incêndio seria a prova, chegou
a uma vitória eleitoral vital para consolidar o poder de Adolf Hitler. A
prisão havia sido utilizada não somente para angariar votos nas eleições
gerais, que se realizaram em 5 de março de 1933, mas também para desencadear
uma série de atos para garantir poderes ditatoriais ao nazismo.
Hitler
conseguiu aprovar uma lei, em 23 de março daquele mesmo ano, que permitia a
centralização total do poder em suas mãos e impunha o controle sobre a
administração civil do governo e do Judiciário, banindo ou dissolvendo todos os
partidos políticos, à exceção (como não poderia deixar de ser) do Partido
Nazista.
Ao mesmo tempo,
medidas racistas contra os judeus foram tomadas e todas as greves e as
organizações sindicais dos trabalhadores colocadas na ilegalidade.
Imediatamente
após a prisão de Dimitrov, a bancada comunista no Reichstag desencadeou uma
grande campanha nacional e internacional em defesa do líder comunista romeno.
O
processo do tribunal de Leipzig, como ficou conhecido, durou de 21 de setembro
a 23 de dezembro de 1933, e transformou Dimitrov numa personalidade mundial.
“(…) Embora não tão visíveis
milhares de
combatentes, mesmo os
ensanguentados em
suas celas
que podem ser
abatidos
mas nunca vencidos.
Assim como tu,
suspeitos de combater a fome,
acusados de revolta
contra os exploradores,
incriminados por
lutar contra a opressão,
convictos da causa
mais justa.”
Bertolt Brecht
Dimitrov
consolidou-se como um líder destacado do Partido Comunista da Bulgária e um dos
principais organizadores do movimento comunista internacional, dirigindo a
Terceira Internacional Comunista. Ele seguiu nesta nobre tarefa até a
dissolução da Internacional Comunista, o Comintern, em 1943. Após a Segunda
Grande Guerra, Dimitrov voltou à sua terra natal, a Bulgária, onde exerceu a
função de primeiro-ministro do país até sua morte em 1949.
Na
edição de agosto/setembro de 1949, da Revista Problemas do
Partido Comunista do Brasil, PCB na época, Dominique Desanti publicou uma
tradução do Depoimento de Dimitrov e parte do diálogo travado por Dimitrov com
seus algozes nazifascistas, que aqui reproduzimos:
Extratos do depoimento de Dimitrov perante o
tribunal nazista
“É verdade que sou um
bolchevique, um revolucionário proletário. (…) É verdade igualmente que, na
qualidade de membro do Comitê Central do Partido Comunista búlgaro e do Comitê
Executivo da Internacional Comunista, sou comunista dirigente e responsável. De
bom grado, responderei integralmente por todos os atos, decisões e documentos
de meu Partido búlgaro e da Internacional Comunista. Mas é precisamente por
essa razão que não sou um aventureiro terrorista, um putschista, um
incendiário.
Aliás, é perfeitamente
verdadeiro que sou favorável à revolução proletária e à ditadura do
proletariado. Estou firmemente convencido de que essa é a única saída, o único
meio de salvação contra a crise econômica e a catástrofe guerreira do
capitalismo.
E a luta pela ditadura
do proletariado, pela vitória do comunismo, é, sem dúvida alguma, o conteúdo de
minha vida. Desejaria viver ainda ao menos 20 anos para o comunismo e depois
morrer tranquilo. Eis precisamente por que sou adversário decidido do terror
individual e do putchismo.
E isso não por
considerações sentimentais e humanitárias. De acordo com a nossa doutrina
leninista, as decisões e a disciplina da Internacional Comunista, que são, para
mim e para todo verdadeiro comunista, lei suprema, estou, do ponto de vista da
atividade revolucionária, no interesse da revolução e do comunismo, contra o
terror individual, contra as aventuras putchistas.
Sou sinceramente
partidário, admirador do Partido Comunista da União Soviética, porque esse
Partido dirige o maior país do mundo – uma sexta parte do globo – e constrói
tão heroica e vitoriosamente o socialismo, sob a direção de nosso grande chefe
Stalin”.
O processo movido
pelos nazistas para a derrota do comunismo mostraria ao mundo a flagrante
pusilanimidade dos homens de Hitler, o heroísmo sereno dos revolucionários.
George Dimitrov, esse
homem que arrisca a cabeça, esse homem que ama apaixonadamente a vida em todas
as suas manifestações, é o único protagonista do drama para o qual convergem as
vistas do mundo. Göering, no papel de testemunha, esbraveja, injuria, perde o
controle, ordena aos guardas (ele como testemunha) que agarrem o acusado. O
búlgaro desafia, antes de se deixar segurar:
“Tendes medo de
minhas perguntas, Sr. Presidente?”
Goebbels, outra
testemunha, blasona: “Não é a mim que ele fará perder a paciência”. Mas, também
desta vez, Dimitrov fica com a razão. Dir-se-ia que ele próprio preparou
esse processo, onde arrisca a vida, para dizer à face do mundo essas palavras
essenciais:
“Defendo minhas
ideias, minhas convicções comunistas. Defendo a razão de ser de minha vida. Eis
por que cada frase que pronuncio é, por assim dizer, carne da minha carne e
sangue de meu sangue. Cada uma de minhas palavras exprime a minha indignação
contra o fato de que um crime tão anticomunista seja atribuído aos comunistas”.
“Diante do avanço do
fascismo, o Comitê Executivo conclama todos os Partidos Comunistas a tentarem
mais uma vez estabelecer uma frente única com as massas operárias socialistas”.
Dimitrov desmonta
também o próprio processo, apontando a incoerência da acusação e a manobra
malévola de apontarem como responsável pelo incêndio o comunista holandês de
base, há pouco chegado na Alemanha, desempregado, Van der Lubbe. (…)
Obrigados a libertar os acusados, com exceção de
Van der Lubbe, os nazistas libertaram igualmente, por pressão da URSS,
Dimitrov, que se dirigiu a Moscou. Em 1935, foi eleito Secretário-Geral da
Internacional Comunista, em cuja posição permaneceu até a sua dissolução em
1943. Os informes de Dimitrov continuarão modelos de clara análise leninista.
Os objetivos que ele propunha ao Partido Comunista e à classe operária da
França, no Congresso de 1935, a 2 de agosto, continuam ainda sensivelmente
iguais aos que objetivamos:
“Obter a efetivação da frente única não somente no
domínio político, mas também no domínio econômico para organizar a luta contra
a ofensiva do capital, quebrar, com seu entusiasmo, a resistência oposta à
frente única pelos chefes reformistas”.
Em 1920, atravessando a Europa inteira, Dimitrov penetrou
finalmente na URSS. No dia seguinte, era introduzido ao escritório de Lênin.
O responsável pelo proletariado búlgaro sentia seu
coração bater apressadamente. Noites inteiras ele examinou frase por frase dos
escritos desse homem cujos olhos estreitos e cuja fronte imensa pareciam
dissecá-lo, penetrar nele. Não houve grandes frases: Fale-me da Bulgária, pediu
Vladimir Ilitch.
Dimitrov fez uma exposição veemente e completa: a
miséria, as lutas, a união, a força do proletariado búlgaro, parecia-lhe que nada
poderia vencer o entusiasmo dos operários, sem a revolução…
“Eu o aconselho a não se deixar arrastar”, disse
Lênin lentamente com sua voz sem ênfase.
E se pôs a falar da Bulgária. Dimitrov via se
desfazerem suas ilusões, via surgirem as lacunas que ele havia dissimulado;
tinha superestimado as vitórias de seu povo, subestimado as forças da reação. A
união com o campesinato não estava feita, os campos não seguiam as
reivindicações das cidades e os operários na Bulgária constituíam ainda uma
parte muito fraca da população.
“A situação pode ainda se agravar”, concluiu
Vladimir Ilitch. Depois conduziu seu hóspede, há tanto tempo aguardado, ao
Congresso dos Sindicatos Soviéticos. Uma ovação os recebeu.
Décadas depois desses
acontecimentos, suas lições permanecem, alertando e orientando os povos
frequentemente ameaçados por forças fascistas recorrentes.
Durante
a ditadura militar implantada em 1964 no Brasil, particularmente depois de
1968, quando ela lançou mão do AI-5, brutalizando o tratamento a seus opositores,
com torturas, assassinatos e prisões indiscriminadas, forças resistentes, como
o PC do B, indicavam a seus membros e aliados, como a Ação Popular, AP, a
leitura do livro “O incêndio do Reichstag”, para se armarem da ideia de que, no
enfrentamento da ditadura, eventualmente em tribunais de exceção, a melhor
defesa é o ataque, sob a forma de denúncia política.
Ainda
agora, quando grupos fascistizantes, ligados a Jair Bolsonaro, fazem repetidas
ameaças de fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, os democratas de
uma maneira geral e os comunistas em particular não devem diminuir a
importância dos grandes fatos históricos e não podem perder de vista que a
consolidação do poder absoluto de Hitler na Alemanha, nos anos 1930, veio após
um incêndio criminoso do Parlamento alemão.
Este artigo contou
com as observações críticas de dois dirigentes comunistas — Haroldo Lima e
Luciano Siqueira — aos quais agradeço profundamente.
*Pedro Oliveira é
jornalista, assessor da presidência nacional do PCdoB
Referências bibliográficas
Fundação Mauricio Grabois – Departamento de
Documentação e Memória
Fundação Dinarco Reis – Fundação de Estudos
Políticos , Econômicos e Sociais
The Diary of Gergi Dimitrov 1933—1949, Edited by
Ivo Banac, Yale University Press
Enfrentando
a tragédia nacional https://bit.ly/2CwMpND
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