Xadrez de Bolsonaro a caminho de tomar o poder
Começa a
ser desenhado o novo pacto, com Bolsonaro sendo convencido a se enquadrar,
substituindo o estilo de ditador sem noção, pelas ferramentas básicas do
populismo de direita
Luis Nassif,
Jornal GGN
No “Xadrez do Pacto Ultraliberal com um Bolsonaro domesticado”,
mostrei os indícios do novo pacto desenhado, que poderá salvar o mandato de
Jair Bolsonaro e lançar nuvens pesadíssima sobre o horizonte da democracia.
A
ofensiva em andamento é nítida em dois locais – no governo Jair Bolsonaro e em
São Paulo, com João Dória Jr.
Trata-se
de um pacto clássico, no qual o Executivo garante o apoio da Câmara, com oferta
de cargos; dos poderes, com aumento de orçamento; e do mercado com desmonte
selvagem do Estado. Tudo à custa de cortes em áreas essenciais, mas dotadas de
baixo nível de influência corporativa.
O fio
condutor é o desmonte do Estado, com preservação dos ganhos das corporações
aliadas – Forças Armadas e Supremo, no Executivo Federal; Justiça, no caso de
São Paulo. A conta será paga pela área social – com cortes nas verbas de
educação, saúde, tecnologia. Enfim, nada diferente dos pactos clássicos do
liberalismo selvagem, ultimamente aliado de presidentes trogloditas, como nos
EUA.
Esses
movimentos tem o efeito da fábula do sapo na panela com água quente. Todos se
acomodam, permitindo a Bolsonaro avançar em seus objetivos de implementar um
estado de exceção, não mais através de golpes truculentos, como desenhou semanas
atrás, mas do avanço discreto e sistemático sobre as instituições.
O
Xadrez terminava com uma constatação óbvia: “Julgar
que Bolsonaro pode ser eternamente domesticado é a mesma coisa que dar uma
dieta vegetariana para uma hiena, e apostar que nunca mais ela voltará a gostar
de carniça”.
Os
principais pontos do acordo estão se materializando rapidamente.
Introdução – a transformação do
bolsonarismo
Bolsonaro
assumiu a presidência da República dividindo o palco com dois personagens que
atuavam como uma espécie de âncoras políticas: Sérgio Moro e Paulo Guedes. Moro
garantia a adesão de parte da mídia e dos setores empresariais e da classe
média; Guedes, a adesão do mercado.
Mas
Bolsonaro não admitia dividir comando.
Primeiro,
tratou de se desvencilhar de Moro humilhando-o seguidamente. Não contava com a
capacidade de subserviência de Moro, que resistiu durante bom tempo a todas
humilhações públicas. Saiu quando Bolsonaro resolveu acabar com o aparelhamento
de Moro na Polícia Federal, substituindo por seu próprio aparelhamento.
Fora
os estampidos dos primeiros dias, a saída de Moro significou o fortalecimento
de Bolsonaro e a possibilidade de avançar sobre os sistemas de repressão – da
Polícia Federal, através do Ministro da Justiça; a Controladoria Geral da República
(CGU); e dos sistemas de inteligência.
Mas
continuava com resistências na Câmara e no STF.
Bolsonaro
tentou, então, partir para o confronto final. Acentuou seu estilo de
se fiar exclusivamente na militância radical. Seus arroubos foram interrompidos
quando o STF (Supremo Tribunal Federal) o enfrentou através de dois episódios
de corte: a ofensiva do Ministro Alexandre de Moraes contra as fake news e as
medidas do Ministro Celso de Mello em relação à reunião ministerial de abril.
Ao
mesmo tempo, o Supremo dava início a uma estratégia política habilidosa visando
conter as pirações bolsonarianas. Dias Toffoli administrava os arroubos de
Bolsonaro; Gilmar Mendes atuava como mediador junto ao Congresso e às Forças
Armadas; enquanto Luis Roberto Barroso mediava lives de youtubers, já que o STF
não é de ferro. E, na Câmara, Rodrigo Maia comandava uma frente contra os
terraplanismos legais.
Bolsonaro
tentou o golpe contra o Supremo, mas não obteve respaldo das Forças Armadas.
Ali,
caiu a ficha de Bolsonaro sobre as ameaças representadas pelas investigações do
Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro sobre as rachadinhas e a
possibilidade concreta dos filhos serem julgados, condenados e presos.
A
partir dali, começa a ser desenhado o novo pacto, com Bolsonaro sendo
convencido a se enquadrar, substituindo o estilo de ditador sem noção, pelas
ferramentas básicas do populismo de direita, e a seguir nova estratégia para
tomada definitiva do poder.
Ali
começou a tomar forma a verdadeira ameaça de Bolsonaro.
Peça 1
– o pacto da popularidade
Os
filhos mudaram a forma de mobilização da ultradireita, trocando as redes
sociais por grupos de WhatsApp. Sem a barulheira infernal que provocavam, as
Forças Armadas passaram a fechar os olhos para a nova legislação de armas e
para o controle sobre a Polícia Federal, que esvaziou os centros de
fiscalização do contrabando de armas em Itaguai.
O
segundo fator de ajuste de conduta foram os resultados da renda básica na sua
popularidade, inclusive em redutos anti-bolsonaristas como o Nordeste. Ali
começou a desmoronar a crença supersticiosa de Bolsonaro em Paulo Guedes e a se
desenhar um caminho óbvio: o da retomada dos investimentos púbicos como maneira
de recuperar a economia e garantir a reeleição.
Houve
um primeiro desenho, com o Pró-Brasil, fuzilado por Guedes na infausta reunião
ministerial de abril. Mas a lógica dos investimentos públicos passou a crescer
cada vez mais. E a megalomania de Guedes condenou-o. Não cedeu em nenhuma
frente e, publicamente, quanto mais enfraquecido mais se colocava como âncora
de Bolsonaro. Sua última declaração deve ter calado fundo no coração pequeno de
Bolsonaro: “Bolsonaro tem plena confiança em mim; assim como tenho plena
confiança em Bolsonaro”, assim, ambos no mesmo plano.
É
questão de tempo para dançar.
A
recuperação da popularidade é peça essencial para consolidar os demais pactos.
Peça 2 –
o pacto com a Câmara
O
segundo pacto foi a recomposição da base política com a aliança com o centrão,
substituindo as lideranças radicais novatas por velhas raposas e leiloando o
setor público para sobreviver – como fizeram, anteriormente, Fernando Henrique
Cardoso e Lula; e como não fizeram Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Peça 3 – o pacto com as Forças
Armadas
Não
foram necessários dois dias para confirmar o pacto com as FFAAs, descrito no
Xadrez. Na segunda-feira foi revelado que o orçamento da Defesa superará o da
Educação. E, sem o desgaste das declaração estapafúrdias, será mais simples
para as FFAAs fechar os olhos para abusos óbvios de Bolsonaro.
Gradativamente
as FFAAs deixaram de ser ponto de apoio – como em qualquer democracia moderna –
para assumirem a linha de frente da Saúde, do Meio Ambiente, dos setores de
inteligência e, agora, dos planos de investimentos públicos.
Em
troca, fecham os olhos para o aumento das vendas de armas para a população e
para a expansão (agora discreta) do radicalismo bolsonarista. A infiltração
cada vez maior de militares na máquina pública facilitará enormemente os planos
de continuísmo do bolsonarismo.
Peça 4 – o pacto com o mercado
O
novo pacto desenhado, como descrito no Xadrez, tornará Paulo Guedes
descartável. Até agora Guedes se mostrou um operador ineficiente, criando
problemas com a Câmara e sem capacidade de gerenciamento de sua equipe. O
mercado quer queima de estatais e desmonte do Estado – apenas isso.
Ao
mercado, será oferecida a privatização selvagem, tanto no Executivo federal
quanto em São Paulo.
O
novo desenho de orçamento privilegiará as corporações aliadas – Forças Armadas
com Bolsonaro; Tribunal de Justiça, em São Paulo. A conta será paga com
restrições aos gastos sociais, redução de verbas para educação, saúde,
financiamento da inovação etc. Em síntese, repetindo os pactos imemoriais de
uma sociedade atrasada.
A mídia
cumpre adequadamente seu papel, demonizando qualquer gasto do Estado.
Peça 5
– o pacto com o Supremo
Sem
destaque, o STF tem atuado firmemente contra direitos sociais e no desmonte do
modelo de Estado. Cometeu um erro crasso, mas provavelmente intencional, de
permitir a privatização de subsidiárias de estatais, sem aprovação do
Congresso. Ali teve início os grandes negócios do momento, com subsidiárias
sendo vendidas sem maiores cuidados provocando um esvaziamento gradativo da
lógica econômicas das grandes estatais.
Tudo
isso sem nenhuma discussão, sem a menor preocupação em organizar audiências
públicas para melhor entender as consequências de cada decisão. Sua única
missão cívica é usar as ferramentas de Pavlov para manter Bolsonaro sob
controle. Quando ele ameaça ultrapassar a linha democrática, leva um choque e
recua.
Paradoxalmente,
é esse movimento de contenção que fortalece a estratégia mais perigosa, de
tomada gradativa dos poderes de Estado através da cooptação e da infiltração em
todas as instituições.
Peça 6 – os alertas de Fachin
O
Ministro Luiz Edson Fachin tem dupla militância. No STF, tem sido o principal
agente da destruição do sistema político, abrindo espaço para o bolsonarismo.
Vez por outra, participa de algum evento e, chamado para palestrar, relembra o
finado jurista Fachin, defensor das grandes causas.
Na
última vez, citou o livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e
Daniel Ziblatt, para alertar para os riscos no caminho da democracia
brasileira. Para Fachin, o Brasil está em recessão democrática, com o incentivo
à violência, a demonização dos adversários e as ameaças de não aceitar derrotas
para as urnas.
Não
há nenhuma esperança que o Ministro Fachin abra algum espaço para o jurista
Fachin poder ressurgir das sombras e acordar o Supremo para a ameaça óbvia à
democracia, representada pelo novo-velho Bolsonaro.
Nem
se percebe nenhum sinal de vida nas forças de oposição, inertes, acomodadas em
denúncias óbvias contra Bolsonaro, mas sem capacidade de articular qualquer
linha de resistência.
Veja:
Uma bomba social explosiva à margem de pactos https://bit.ly/2X75FJ6
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