A audácia de um líder e a mobilização de um povo
Exemplo
de determinação e coragem de Leonel Brizola e do povo gaúcho lembrados nos 59
anos da Legalidade
Raul Carrion*
Quando Jânio Quadros,
em
25
de
agosto
de
1961,
entregou a
sua
carta-renúncia
aos
ministros
militares
e
ao
presidente
do
Senado,
Auro
de
Moura
Andrade,
não
fez nenhum
gesto
tresloucado. Ao
contrário
– como
confessaria
anos
mais
tarde em
sua “História do Povo Brasileiro” – foi
um auto-golpe
fracassado,
feito na expectativa de retornar “nos braços do
povo”,
com
poderes
absolutos
e
apoio
militar:
O fato de o Vice-Presidente João Goulart
estar
na
China
Socialista
e
ser
uma
sexta-feira
– quando
o
Congresso
costumava
estar
vazio
– formavam
o
panorama
ideal
para
o
desenlace
planejado.
Só
que
a
artimanha
foi
mal
calculada
e
“o
tiro
saiu
pela
culatra”,
pois
sua
renúncia
foi
imediatamente
aceita
e
o
presidente
da
Câmara
dos
Deputados,
Ranieri
Mazzili,
assumiu
a
Presidência
da
República.
Tão logo Jânio
tornou-se
uma
“carta
fora
do
baralho”,
os três
ministros
militares –
Odílio Deniz, Sylvio Heck e Grun Moss – comunicaram a
Mazzili
que
não
permitiriam
que
Jango
assumisse
a
presidência
da
República.
Ao saber da
renúncia,
o governador Leonel
Brizola
ligou
para Jânio e colocou-se
à
sua
disposição.
Esclarecido
que
ele
não
fora
compelido
a
renunciar,
Brizola
assumiu a defesa
da Constituição
e
a
posse
de
Jango.
Diante da
atitude
golpista
dos
ministros
militares,
fez
contato
com
o
Comandante
do
III
Exército
– Gal.
Machado
Lopes
– para
saber
a sua
posição e este
respondeu que “como soldado ficarei com o Exército”.
Ficou
claro
que
Machado
Lopes
se
subordinava
à
postura
golpista
dos
ministros
militares.
Apesar do
quadro
adverso,
Brizola
não
se
intimidou.
Colocou
a
Polícia
Civil e a
Brigada
Militar
em
rigorosa
prontidão,
concentrou os
seus efetivos
em
Porto
Alegre
ocupou
os
pontos
chaves
da
cidade,
organizou
a
defesa
do
Palácio
Piratini e
requisitou
todo
combustível
disponível.
A Assembleia Legislativa instalou-se em
sessão
permanente. Lideres
sindicais,
populares, estudantis mobilizaram-se e dirigiram-se ao Palácio
Piratini,
exigindo
o respeito
à
“Legalidade” e
a posse
de
João
Goulart.
Quando lá chegarem, já eram cinco mil. Falando da
sacada
do
Palácio,
Brizola
assumiu
essa
palavra
de
ordem.
Estava
iniciado
o
“Movimento da Legalidade”.
No domingo 27 de
agosto,
Brizola
fez um veemente discurso
nas rádios, chamando à resistência ao golpe. Milhares se dirigiram à Praça da
Matriz, para proteger o Palácio Piratini.
O Comando Sindical Gaúcho Unificado organizou
Comitês de Resistência Democrática.
O
primeiro
deles foi no “Mataborrão”,
na Av.
Borges
de
Medeiros
com Andrade
Neves,
e inscreveu milhares
de
pessoas
na
defesa
da
Constituição.
Os
CRDs se
espalharam
por
todo
o
Estado e mais
de 100 mil gaúchos se alistaram para defender a Legalidade. Foram formados batalhões de
metalúrgicos,
ferroviários, marítimos,
estivadores,
bancários,
comerciários, enfermeiros, estudantes,
artistas,
militares
reformados, enfim,
a cidadania organizada.
A UNE decretou uma greve nacional
pela
posse
de
Jango.
Seu
presidente,
Aldo
Arantes, veio a
Porto Alegre,
transferindo para cá a sede da UNE. O governador de Goiás, Mauro Borges,
assumiu a luta pela Legalidade. O Mal.
Lott
exigiu
respeito
à
Constituição, mas
foi preso
pelos
golpistas.
Mobilizações começaram a ocorrer em todo o Brasil.
Orientado por Lott, Brizola
contatou
os
generais Oromar
Osório
e Peri
Bevilaqua –
que comandavam as tropas mais poderosas do
III
Exército –, que
aderiram à causa da
Legalidade e
passaram a pressionar
Machado
Lopes.
Outras
guarnições
também aderiram
à
Legalidade.
No dia
28,
ao saber
que
os
golpistas
iriam
bombardear
o
Palácio
Piratini para submetê-lo
pela força, Brizola requisitou os transmissores da
Rádio
Guaíba
e
os instalou nos porões do Palácio, formando a “Rede da
Legalidade” –
que
chegou a englobar 104
emissoras em
todo o país –, para defender a Constituição.
Na Base Aérea de
Canoas,
suboficiais
e
sargentos
impediram que os aviões decolassem para bombardear o Palácio de Governo. Tropas
do
III
Exército
se
deslocaram
até
as
antenas da
Rádio
Guaíba
– defendidas pela Brigada Militar – para calar a
“Rede
da
Legalidade”, mas no último
momento recuaram.
O Gal Machado Lopes
solicitou, então, uma reunião com Brizola, que aceitou, mas exigiu que fosse no
Palácio Piratini. Brizola fez, então, um pronunciamento dramático, defendendo a
Legalidade e
afirmando que lutaria até o último alento contra qualquer golpe militar:
O povo respondeu a
Brizola afluindo em massa à Praça da Matriz. Em pouco tempo, eram mais de 100
mil. Pressionado
pela
mobilização
popular
e
por seus
principais
comandantes,
Machado Lopes afirmou a Brizola que não mais acataria os
ministros
militares
e
apoiaria
uma
saída
Constitucional
para a
crise.
A adesão do
III
Exército,
o mais poderoso
do país, reforçado pela
Brigada
Militar
e
pelo
apoio
massivo
da
população,
equilibrou
as
forças
no
tabuleiro
nacional. A
resistência ao golpe transformava-se cada vez mais em um levante popular que
envolvia as próprias Forças Armadas e punha em risco o regime.
Diante do
imponderável,
tanto
as
elites
dominantes
quanto
os altos mandos
militares passaram a
trabalhar
por
uma
saída
negociada
que
evitasse
a
guerra
civil.
Essa
saída
foi
a
emenda
parlamentarista,
votada nos
primeiros
dias
de
setembro
e
aceita
a
contragosto
pelos
golpistas.
Finalmente, em 7
de
setembro
de
1961,
João
Goulart
assumiu
a
Presidência
da
República,
sob
regime
parlamentarista.
O
povo,
os
trabalhadores,
os
militares
democratas
– conduzidos
por
um
grande
e
destemido
líder
– haviam
vencido!
A
vitória
não
havia
sido
completa,
mas,
talvez,
tenha
sido
a
possível
naquelas
circunstâncias.
O
exemplo de determinação e coragem que Leonel Brizola e o povo gaúcho
demonstraram em circunstâncias tão difíceis devem nos servir de modelo e
inspiração, em um momento em que os mesmos de sempre voltam a ameaçar a
democracia.
*Historiador
Veja: Uma bomba social explosiva à margem
de pactos https://bit.ly/2X75FJ6
Nenhum comentário:
Postar um comentário