Duas
rodas e a exploração
Deco
Costa*
Pedalando ou
pilotando. O tronco e o açoite do século XXI tem uma nova embalagem. Se há séculos
o prato de comida e o abrigo eram a relação de troca pelo trabalho escravo,
hoje a crise econômica sob a custódia de um mundo tecnológico dita novas
relações de trabalho. Não é exagero se utilizar novamente a palavra escravo.
Dez, doze
horas por dia em cima de bicicleta ou
moto vão cortando como uma gincana da sobrevivência as ruas desiguais do
Brasil, como os navios negreiros de
ontem que cortavam também o Atlântico desigual. O mundo mudou e será que a
culpa de tudo isso é da tecnologia que chegou avança paulatinamente pela
história da sociedade? Na Revolução Industrial nas portas de fábricas homens,
mulheres e crianças se acotovelavam na esperança de serem escolhidos para serem
explorados. Hoje, homens e mulheres olham para um algoritmo como a salvação do
seu sustento, na angústia de que qualquer nota baixa seja motivo de um bloqueio
sem explicação.
Pois é, como
se pode perceber a roda da história gira e seja pela máquina a vapor ou pelo iPhone
a exploração persiste. Entretanto, é mais fácil admitir a culpa de todo esse
enredo no processo tecnológico. Ledo engano. Rasguem as falsas compreensões,
quem explora não é a máquina ou a tecnologia, é o homem. A máquina auxilia. E
se estamos falando de trabalhadoras e trabalhadores reféns do quanto mais tempo
ficarem sobre duas rodas para ganharem dinheiro, sem interferirem também em
quanto ganham, não podemos dizer que são donas do seu próprio tempo. Muito
menos que são empreendedores.
A literatura
média diz que é comum um boxeador no final de carreira apresentar lesões no
cérebro oriundas dos reiterados e constantesgolpes da rotina dos ringues.
Percebo, proporcionalmente, nos trabalhadores de aplicativo. A intoxicação absorvida
pelo mito da meritocracia faz boa parte identificarem direitos pela sua
atividade como um ato de dominação ideológica para o seu mal. Triste equívoco.
A concepção neoliberal tem ganhado alguns rounds, mas a luta não acabou. É
preciso que fiquemos atentos e utilizemos a conscientização e a informação
dessa mais nova ofensiva na força de trabalho para a sua captura e alienação.
Somente assim daremos um gancho certeiro e não serão mais pessoas sem qualquer
seguro contra acidentes que beijarão o asfalto quente, mas sim o própria
sistema cruel neoliberal que beijará a lona desarmada do próprio circo sem
palhaços, mas com escravos, que ajudou a armar.
*Deco
Costa - Professor
e advogado, mestre e doutorando em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE)
A boa leitura para viver melhor https://bit.ly/2X71T2g
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