30 setembro 2020

Criatividade e garra

Conhecimento científico é bom, mas futebol precisa de ousadia e amor

Jorge Sampaoli é mais que um treinador criativo e tático; ele enxerga detalhes

Tostão, Folha de S. Paulo


O Cruzeiro, com uma nova diretoria, novos treinadores e jogadores e o desejo de retornar à Série A, criou uma enorme expectativa de que o time faria uma ótima campanha na segunda divisão, como ocorreu com quase todos os grandes clubes brasileiros que foram rebaixados. Não é o que tem ocorrido.

O time marca, mas não consegue criar chances de gol. A pouca qualidade técnica, a falta de confiança e as dificuldades para lidar com a pressão são causas importantes dos resultados e atuações ruins. O técnico mudou, e nada adiantou.

Penso que, neste momento especial, o Cruzeiro precisava de um treinador diferente, mais vibrante, sonhador, que saísse do lugar comum e que unisse o conhecimento técnico com improvisações e pitadas de loucura. Ney Franco e o técnico anterior, Enderson Moreira, são bons, estudiosos, mas muito previsíveis. Deveria existir dois Liscas Doidos, um para treinar o América, que vai bem no Brasileiro e na Copa do Brasil, e outro para dirigir o Cruzeiro.

O mundo e o futebol precisam desse tipo de profissional. Não basta ter apenas conhecimento científico. É necessário arriscar, jogar com paixão, transbordar a alma. O que seria da vida e do futebol se não houvesse a arte, os artistas, os craques, os grandes treinadores, o imponderável e a emoção, a vibração, que vão além da estratégia?

Sampaoli é mais que um técnico criativo, tático, que muda a maneira de jogar e as escalações a cada jogo. Só não entendo como ele, com sua agitação e inquietude durante as partidas, consegue ver os detalhes.

O Atlético-MG, líder do Brasileiro, costuma atacar com dois meias avançados, próximos ao centroavante. Com isso, os laterais adversários fecham para fazer a cobertura, e a bola é rapidamente passada para os lados, para os dois atacantes abertos, especialmente para Keno, pela esquerda. Ele, livre ou no máximo contra um marcador, define a jogada, com dribles, passes ou finalizações.

Loco Bielsa, de 65 anos, mestre de Guardiola, de Sampaoli, de Coudet e de tantos outros treinadores, que gostam de dominar o jogo, conduziu o Leeds United da segunda para a primeira divisão inglesa e, agora, começou bem a Premier League, com duas vitórias e uma derrota, por 4 a 3, para o melhor time do mundo, o Liverpool. O Leeds foi para frente e criou muitas chances de gol. Bielsa é um apaixonado pelo futebol, e não apenas pelas vitórias.

Portugal, escola de ótimos técnicos que fazem sucesso pela Europa, com características mais pragmáticas, científicas, formou também um sonhador, Jorge Jesus, apaixonado pelo futebol antes, durante e depois das partidas.

No Brasil, os treinadores, principalmente os mais veteranos, como Luxemburgo, Felipão, Mano Menezes, Abel Braga e outros, mesmo quando acompanham a evolução do futebol, preferem repetir o que fizeram um dia com sucesso do que inovar.

Raramente, usam a troca de passes desde o goleiro, a pressão para recuperar a bola no campo do adversário e formam times compactos. Adoram as bolas longas e os cruzamentos para a área.

A idade não é um critério confiável para separar os estudiosos, ávidos por novos conhecimentos e ações, dos conservadores.
A estratégia de jogo e a técnica individual e coletiva são fundamentais para se formar um grande time, mas é preciso ir além, colocar pitadas de loucura no momento certo, improvisar, com a intenção de dar mais brilho ao espetáculo do futebol e da vida.

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