A fome por si mesma
não esclarece
Luciano Siqueira
A frase pronunciada assim pode soar estranha. Mas não é. Uma
variante é o ditado popular: “a fome não é boa conselheira”.
Tudo a ver com o contraste entre o desastroso governo
Bolsonaro e a resiliência do presidente em relação a índices de aprovação em
parcela significativa da população.
A consciência política “espontânea” existe, ainda que
fragmentária; não se compara aos rudimentos de revolta que levaram operários a
se voltarem contra as máquinas quando da Primeira Revolução Industrial.
Mas é um nível de consciência insuficiente para perceber em
sua inteireza a realidade como ela é, distinguir as forças políticas em
presença e compreender com exatidão o caráter do governo atual.
O volume de informações disseminadas em tempo real, através
das mais diversas mídias, sobrecarrega o cidadão comum e dificulta que analise
os acontecimentos para além de sua aldeia.
Aconteceu nos pouco mais de doze anos de governos Lula e
Dilma, quando quase quarenta milhões de brasileiros ascenderam socialmente e,
em sua maioria, não se deram conta do caráter das políticas públicas que
estavam na base disso.
A presidente Dilma, em sua campanha à reeleição, foi
constrangida a dizer o mesmo que os opositores Aécio Neves e Marina Silva, dirigindo-se
às camadas populares da população: “Você melhorou de vida pelos seus próprios
esforços”.
É que as pesquisas demonstravam que assim pensavam aqueles
quase quarenta milhões beneficiários das políticas adotadas pelo governo.
Faltou o trabalho político no seio do povo, destinado a
fazer com que o cidadão e a cidadã se percebam sujeitos de direito; entendam
que seus direitos fundamentais não se praticam inteiramente numa sociedade
injusta como a nossa – e, por consequência, também se descobrirem agentes ativos
de uma necessária transformação social.
O comentário eu o faço aqui para despertar meus certamente poucos
leitores para a necessidade de contribuirmos para a elevação da capacidade
crítica e do nível de consciência política da população.
Em tempo de WhatsApp e de redes sociais, predomina uma
atitude burocrática e esquemática que leva à reprodução instantânea de vídeos,
cards, mensagens curtas e links. Sem comentário crítico. Sem uma palavra em
adendo, que pelo menos desperte o interesse do receptor da mensagem.
Ora, vivemos num mundo em transformação, complexo; sob
pressão ideológica midiática. Irrecusável é a tarefa de sopesar os fatos,
debater, esclarecer, motivar.
É o que Lênin chamou de introdução do elemento consciente no
movimento espontâneo em sua obra “Que fazer?”
É preciso partir do fato imediato, local, ao qual as pessoas
estão sensíveis; correlacioná-los com a situação geral do país; associar as
lutas imediatas com a luta geral pela conquista do poder em escala nacional.
Ou seja: uma abordagem do particular ao geral, e do geral ao
particular.
O bom exercício da dialética do conhecimento.
Aos que detêm a compreensão sistêmica da realidade –
militantes partidários ou não - e se batem para mudar a situação em que vivemos,
cabe um esforço cotidiano de esclarecimento das pessoas no entorno.
[Ilustração: do blog homemdepalavra.com.br]
Veja: Criminoso desmonte
do Estado nacional https://bit.ly/2R5RfFB
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