Mais da metade do orçamento de 2021 será para amortizar dívida
Maria Lucia Fattorelli,
ExtraClasse
No último dia 31 de agosto, o
Governo Federal publicou e encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei
Orçamentária Anual (PLOA) para 2021 no valor total de R$ 4,148 trilhões.
O referido projeto destina R$
2,236 trilhões, ou seja, mais da metade dos recursos previstos no orçamento
federal de 2021, para os gastos com juros e amortizações
da dívida pública, aumentando em R$ 634 bilhões o valor nominal
previsto no PLOA 2020.
Nesse aspecto, cabe ressaltar o
grave fato de que grande parte dos juros da dívida têm sido contabilizados como
se fosse amortização, razão pela qual devem ser somadas as rubricas referentes
aos gastos com juros e amortizações da dívida.
Enquanto os gastos com a dívida
pública representam 53,92% do PLOA 2021, áreas sociais fundamentais receberão,
no ano que vem, volume de recursos inferior à média do valor efetivamente
recebido no período de 2015 a 2019 (valores atualizados pelo IPCA até
agosto/2020, data do PLOA 2021), destacando-se as seguintes áreas:
- Saúde (perda de 0,78%);
- Trabalho (perda de 2,59%);
- Direitos da Cidadania (perda de 22,24%);
- Urbanismo (perda de 9,70%);
- Saneamento (perda de 32,63%);
- Ciência e Tecnologia (perda de 13,27%);
- Organização Agrária (perda de 33,15%);
- Indústria (perda de 23,02%);
- Energia (perda de 34,20%);
- Desporto e Lazer (perda de 34,96%);
- Encargos Especiais/Outros GND,
principalmente Transferências a Estados e Municípios (perda de 0,40%).
Todos sabemos que o
desenvolvimento socioeconômico do país depende principalmente de investimentos
governamentais em Ciência e Tecnologia, Energia e Indústria, áreas que estão
perdendo grandes volumes de recursos no PLOA 2021, comparativamente ao que
vinham recebendo durante os últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores
atualizados pelo IPCA).
A realização da reforma agrária
também é iniciativa fundamental para o desenvolvimento socioeconômico, como
comprovado em diversos países que a realizaram, porém, ela está praticamente
inviabilizada diante da perda brutal de 33,15%, pois essa rubrica orçamentária
já vinha recebendo recursos bem reduzidos.
Perdas
As perdas sociais no PLOA 2021
são imensas, tendo em vista que a área de Habitação, aparece com recursos
praticamente zerados, e até a área da Saúde perde 0,78%, cabendo ressaltar
também as relevantes perdas do Saneamento, de 32,63%, área correlata à saúde.
Relevantes perdas também nas rubricas Trabalho, Direitos da Cidadania e
Desporto e Lazer mostram que estas áreas não fazem parte das prioridades do
governo.
A Educação e a Gestão
Ambiental, que são áreas relevantes ao desenvolvimento socioeconômico do país,
aparecem, no PLOA2021, com praticamente o mesmo volume de recursos que vinham
recebendo durante os últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores atualizados
pelo IPCA), apresentando uma variação positiva de apenas 1,96% e 1,75%,
respectivamente.
Por outro lado, algumas áreas
estão tendo, no Ploa 2021, aumento superior a 20% do volume de recursos que
vinham recebendo durante os últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores
atualizados pelo IPCA), como por exemplo as áreas da Defesa Nacional (acréscimo
de 20,67%) e Segurança Pública (acréscimo de 22,81%).
Aumento de
gastos
O projeto aumenta os gastos com
Agricultura (acréscimo de 23,43%, que destina a maior parte dos recursos ao
agronegócio); Comércio e Serviços (acréscimo de 49,38%, sendo a maior parte dos
recursos destinados a empresas brasileiras no exterior); Transporte (acréscimo
de 32,39%, sendo a maior parte destinada a rodovias que estão sendo
privatizadas), e Comunicações (acréscimo de 111,93%, setor em grande parte já
privatizado).
Os gastos com juros e
amortizações da chamada dívida pública previstos para 2021 são 87% superiores à
média dos últimos 5 anos encerrados em 2019 (em valores atualizados pelo IPCA),
aumento este que em números absolutos significa o relevante valor R$ 1,041
trilhão. Aí está o grande problema do orçamento.
No ano de 2020 já está havendo
também um aumento nos gastos com a “Dívida Bruta do Governo Geral” que
refletiram no aumento de seu estoque, que subiu R$ 709 bilhões nos primeiros 7
meses de 2020. Apesar da alegação de representantes do governo e alguns setores
da grande imprensa conservadora de que esse aumento em 2020 seria decorrente
dos gastos
com as ações relacionadas à pandemia, a análise dos dados revela
que esse crescimento decorreu principalmente devido ao aumento das chamadas
“Operações Compromissadas” (que na prática correspondem à remuneração
da sobra de caixa dos bancos, cujo estoque cresceu R$ 546
bilhões no período); do aumento da dívida externa medida em reais (devido à
alta do dólar), e dos gastos com juros incidentes sobre a dívida pública
federal, cuja taxa
média se encontra em cerca de 9% ao ano, apesar da taxa básica
Selic estar em 2% ao ano.
Projeto de
país
A análise global do
comportamento dos gastos evidencia o projeto de país que tem sido implementado
nos últimos anos, refletido no Orçamento Federal.
A tabela anexa contém dados de
2015 a 2021, sendo que os valores de 2015 a 2019 são os efetivamente pagos nos
respectivos anos, seguidos dos valores previstos em 2020 e 2021 nos respectivos
Ploa.
O gráfico a seguir revela o
perverso efeito da Emenda Constitucional nº 95/2016 sobre todas as áreas
sociais e gastos com a manutenção do Estado, cujo total permaneceu
rigorosamente congelado, enquanto os gastos com a dívida pública oscilam
livremente e em 2021 aumentam de forma ainda mais relevante no Ploa 2021:
VALORES
PAGOS (2015 a 2019) e VALORES PREVISTOS (PLOA 2020 e 2021)
Gastos
selecionados – R$ bilhões (em valores atualizados pelo IPCA para
agosto/2020)
Fonte: Elaboração própria com dados do Painel do Orçamento Federal, Sistema Integrado de
Planejamento e Orçamento, Ministério da Economia. (Acesso em 9 de setembro de 2020)
Nota 1: Os
juros e amortizações da dívida pública correspondem aos GND 2 e 6.
Nota 2:
“Outros Encargos Especiais” correspondem principalmente às transferências a
estados e municípios (que não estão sujeitas ao chamado “teto de gastos” da EC
95/2016). O valor foi obtido subtraindo-se da Função “Encargos Especiais” os
gastos com juros e amortizações da dívida pública.
Nota 3: Os
“Gastos Sociais e com a manutenção do Estado” englobam quase todas as demais
rubricas orçamentárias (exceto “Encargos Especiais” que compreendem os gastos
com a dívida pública, transferências a Estados e Municípios etc.), e quase a
sua totalidade corresponde às “despesas primárias”, que estão submetidos ao
teto de gastos estabelecido pela EC 95/2016.
Breve Análise
Esta breve análise revela o
modelo de Estado rentista, tendo em vista que a maior parte dos recursos
destina-se ao pagamento de juros e encargos da chamada dívida pública, com
indicativo de agravamento desse modelo devido à destinação de 53,92% do Ploa
2021 para os gastos com a dívida pública, enquanto as áreas mais fundamentais
para a sociedade e para o país perdem grandes volumes de recursos ou ficam
praticamente no mesmo escasso patamar anterior.
É urgente inverter essa lógica
e garantir que as imensas riquezas e potencialidades existentes no Brasil sejam
empregadas em áreas que garantam vida digna para todas as pessoas, respeito à
Natureza e o desenvolvimento socioeconômico do país. #ÉHORAdeVIRARoJOGO
*Maria Lucia
Fatorelli é auditora fiscal e coordenadora da Auditoria Cidadã da
Dívida Pública. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe. Este artigo
contou com dados levantados por Rodrigo Ávila e Rafael Muller.
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