Na guerra da vacina e do general Maria Fofoca, bomba econômica está armada
O custo da comida ainda não
incomoda porque ainda se pagam auxílios, mas se a carestia continuar e o povo
perder esse dinheirinho haverá problemas
Vinícius Torres Freire, Folha de S. Paulo
A
diversão está garantida nessas próximas semanas em que o pavio da bomba
econômica continuará queimando, sem que o país em geral se importe muito. A
diversão maior, no sentido de desvio de atenção, virá da guerra da
vacina que ainda nem existe, das decisões que o Supremo
deve tomar sobre a obrigação de tomá-la e da aprovação
da "vacina chinesa paulista" pela Anvisa e pelo
governo.
Enquanto
isso, o centrão e alas do governo se ocupam de disputar cadeiras ministeriais.
Jair Bolsonaro trata de sua preocupação
maior, livrar filhos da cadeia. Parlamentares articulam a eleição
dos novos comandos do Congresso.
Até fins de
novembro, as eleições nos EUA e nas cidades brasileiras vão dizer qual o valor
de mercado eleitoral de extremistas e lunáticos em geral.
Eventual
derrota de Donald Trump e de candidatos bolsonaristas nas cidades maiores pode
aumentar o passivo político de Bolsonaro, embora esse débito talvez não seja
cobrado tão cedo.
O risco maior
para o presidente é a política econômica, ora em estado de animação suspensa.
Parte
do centrão e gente do governo disputam a cadeira do general Luiz Ramos,
ministro da Secretaria de Governo. Com o general Braga Netto, ministro da Casa
Civil, Ramos levou Bolsonaro a criar uma coalizão bastante pelo menos para
evitar um impeachment.
Foi chamado
na sexta-feira de Maria Fofoca pelo ministro do Mau Ambiente,
Ricardo Salles, desafeto dos militares.
Não importa
muito a rixa que detonou o mexerico vulgaríssimo, portanto condizente com este
governo. Interessa que isso explicitou movimentos para decapitar Ramos. Outra
disputa de boquinha-mor é a do Ministério do Desenvolvimento, que Bolsonaro
estuda recriar. Enquanto o país morre, queima e se endivida, é disso que tratam
no Planalto.
A revista
Época revelou que Bolsonaro recorre à Polícia Federal, a seus espiões e a
outros recursos do governo para cuidar de rolo de filho. É disso, talvez um
crime de responsabilidade, que trata o presidente.
Não se liga
muito para os sinais de infecção na economia. Desde fins de agosto, as taxas de
juros subiram degraus e lá no alto ficaram. O dólar não baixa da casa perigosa
dos R$ 5,60, dado o rebu incompetente de um governo endividado.
A combinação
de desvalorização da moeda e de auxílio emergencial levou os preços dos
alimentos às maiores altas em mais de década (como em 2008, 2013 e 2016).
O custo da
comida ainda não incomoda de modo generalizado, como de costume, porque ainda
se pagam auxílios. Se a carestia continuar e o povo perder esse dinheirinho,
haverá problemas.
Juros
de longo prazo e dólar foram às alturas em grande parte porque o país não tem
Orçamento para 2021, porque pode ser que tenha até dois (um outro
"emergencial") e porque os donos do dinheiro temem furos no teto de
gastos. Bolsonaro e a elite política empurraram a discussão dessa crise para
depois de novembro.
As soluções
para o impasse orçamentário não são politicamente boas. Bolsonaro pode decidir
estourar o orçamento, o que vai dar em besteira feia. Pode ignorar o auxílio
aos pobres, o que vai dar em fome feia. Pode arrochar outrem a fim de financiar
alguma renda básica. Terá de enfrentar reformas, como a politicamente divisiva
mudança tributária, sem o que o país vai ficar mais encalacrado (não se trata
de dizer que vai ficar melhor ou pior para esta ou aquela gente, mas ficará
encalacrado).
Mesmo que não
se tomem as piores decisões, a retomada da economia ainda será incerta. Mas a
gente se diverte com outros horrores.
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