O CRAVO E AS TULIPAS
Ronaldo Correia de Brito, no seu site
O escritor argentino Jorge Luis Borges
costumava dizer que não havia nada que os seus detratores pudessem escrever
sobre ele que não pudesse fazê-lo de forma mais rigorosa e contundente. Alguns
críticos trocam a análise de uma obra literária por agressão pessoal e deboche,
um subproduto da crítica. A vida e o comportamento dos escritores deveriam
importar menos do que suas obras. O único critério justo seria o que avaliasse
se um indivíduo escreve bem ou mal.
Os artistas vivem uma
contradição: não podem sentir-se satisfeitos com o que fazem e precisam
defender o que fazem. Já imaginaram um Picasso satisfeito? Não teria passado da
primeira fase de sua pintura. Sem a virulência de Rimbaud o manifesto
simbolista não teria significado, pois implicava na negação de valores
consagrados da poesia francesa na época.
É vexatório quando um escritor
e jornalista dispara a metralhadora num colega de profissão, atacando-o apenas
em supostos defeitos de personalidade, sem analisar uma única linha do que
escreve. Isso lembra um velho provérbio chinês que ensina: se vires um homem
bom, alegra-te; se vires um homem mau, observa o teu coração. Talvez, os
insultos sejam dirigidos a defeitos do próprio caráter.
O papel de um escritor que atua
no nordeste do Brasil é árduo e conflitante. Muitas vezes ele precisa acender
um facho de luz e clarear a própria obra, chamando atenção para ela. Isso pode
parecer vaidoso, uma exaltação do ego. Mas será também um esforço em chamar
atenção para o que ele faz.
Não existe fluxo de informações
das cidades do nordeste para o restante do Brasil e do mundo. O poeta pernambucano Carlos
Pena Filho dizia que a melhor maneira de continuar anônimo era escrever no
Recife. Isso talvez explique porque o contista cearense Moreira Campos, que
sempre viveu e escreveu em Fortaleza, é tão pouco lido e conhecido, apesar de
sua grandeza.
No Recife, onde existe o
movimento cultural mangue, também se conhece a teoria do caranguejo. Vocês já
observaram que os caranguejos tentam escapar do cativeiro subindo uns nos
outros? Quando algum consegue galgar alturas, o de baixo sai da posição e todos
despencam. É o velho pecado capital: a inveja.
Alguns escritores nordestinos
que falam de seus livros cheios de júbilo, apenas se alegram pela justa razão
de conseguirem ser lidos. Sábato Magaldi afirma que todo artista busca falar
para o seu tempo. Essa alegria em falar da própria obra – sobre o quê
escritores vão falar senão do que escrevem? – às vezes provoca desafetos,
mordidas de caranguejo. É necessário que todo artista, em maior ou menor grau
de vaidade, se alegre com a arte que produz, a defenda e, se necessário, a
enalteça. Nosso brilho é pequeno, apesar da intensidade do sol que nos queima.
Não possuímos vastos campos de
tulipas como na Holanda. Vez por outra, na paisagem desértica do sertão, sobre
um jirau, plantado numa panela de barro, um cravo se mostra na exuberância do
cheiro e da cor. É tão pouco comparado às ricas tulipas que a Holanda exporta
para o mundo. Mas é a nossa flor, a que sobreviveu às agruras. Ou uma vida
Severina, do poema de João Cabral. Por favor, deixe-a vicejar em sua alegria.
Mesmo que ela pareça impregnada de ego.
Múltiplos
são os caminhos da resistência https://bit.ly/3lg3rl8
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