01 outubro 2020

Crônica da quinta-feira


Até água em excesso intoxica
Luciano Siqueira

- Palavras são palavras, nada mais do que palavras! dizia um personagem de Chico Anysio.

Nem tanto.

A palavra exata e no momento certo remove montanhas.

O contrário pode levar a catástrofes.

Por isso há bons diálogos e diálogos não mais do que sofríveis. Na busca do voto, por exemplo – já que estamos em plena campanha eleitoral.

Na campanha eleitoral de 1988, em Pernambuco, Jarbas Vasconcelos disputava o senado pelo MDB contra dois candidatos da Arena, em sublegenda.

- São dois contra um e o povo contra os dois!, dizíamos nós todos e repetiam os locutores de comício.

Pois bem. Visitando uma feira sob calor intenso e muito cansado, numa conversa com um possível eleitor disparei:

- É isso, amigo: são dois contra um e um contra o povo!

Troquei as bolas, como se diz, e fui corrigido de pronto pelo meu interlocutor, eleitor fiel do nosso candidato.

E tem candidatos dados ao superlativo na ânsia de agradar o eleitor. Mal é apresentado a alguém e se antecipa:

- Você é maravilhosa!

- Grato, deputado (em tom desconfiado).

Como se descobre tanto valor assim à primeira vista?

O resultado não é bom. Soa a demagogia, esse vírus fatal na frustração de tantas candidaturas potencialmente fortes.

Qualquer eleitor medianamente sensível percebe logo quando as palavras não são sinceras. Educadamente não protesta, mas sente o golpe.

- Essa aqui me apoia e tem um papel estratégico em minha campanha, ouvi certa vez de um candidato do nosso partido em relação a uma jovem a quem estava sendo apresentado.

Confesso que me interessei. Como alguém tão jovem já tinha peso tão importante naquela campanha?

- Você é do movimento estudantil?

- Como assim?

- Você toma parte das lutas na sua escola?

- Não, nem ouvi falar...

- E no seu bairro, você faz parte de algum movimento?

- Não gosto dessas coisas, não.

A conversa não prosperou porque a dita figura “estratégica” não passava de uma simpática prima de um militante, recém-apresentada ao nosso candidato.

Saquei logo o desperdício – de palavras mal postas e de expectativas. A demagogia corria solta, sem a menor consequência.

Realmente, em excesso até água faz mal.

Famintos não ganham consciência política espontaneamente https://bit.ly/2ZVr8pE  

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