Brasil tem de unir habilidade e criatividade com jogo coletivo moderno
Detesto o
lugar-comum de que o futebol brasileiro precisa voltar à sua essência
Tostão,
Folha de S. Paulo
O jovem treinador
do Independiente del Valle, Miguel Ángel Ramírez, de 36 anos,
bastante elogiado em toda a América do Sul, mesmo que tenha aceitado a proposta
milionária do Palmeiras e desistido antes de assinar o contrato, teve uma
conduta profissional correta e ética ao recusá-la, com a justificativa de que
só poderia assumir na próxima temporada, já que precisa terminar o trabalho no
time equatoriano.
O pequeno Del
Valle está classificado para as oitavas de final
da Libertadores e disputa o título equatoriano, além de ter
sido, nos últimos anos, vice-campeão da Libertadores (2016) e campeão da
Sul-Americana (2019), esta última com Ramírez.
Quase todos
os outros treinadores teriam aceitado a proposta e abandonado o atual projeto,
fascinados com tanto dinheiro e em dirigir um gigante sul-americano.
Ramírez faz parte de um
grupo de treinadores, como Sampaoli, Coudet, Torrent, Guardiola,
Bielsa, Klopp, Hansi Flick, atual técnico do Bayern, e outros, que querem
pressionar, recuperar a bola no outro campo, ter o domínio do jogo, atacar com
muitos jogadores, mesmo correndo riscos calculados, pois deixam também mais
espaços na defesa para o contra-ataque adversário.
O risco é variável. Vai depender da rapidez com que se
recupera a bola e da velocidade, do posicionamento e da qualidade do goleiro e
dos defensores, para neutralizar o contra-ataque. O Atlético é o time brasileiro que corre mais riscos, por avançar
com sete jogadores.
Muitos
jovens treinadores, do Brasil e de todo o mundo, estudiosos, acadêmicos, sonham
em fazer com que seus times joguem dessa maneira, ofensivos, pressionando. A
maioria fica no meio do caminho, por causa da impaciência dos torcedores, dos
dirigentes e da crônica esportiva.
Muitos têm
também dificuldade de serem bons executores e observadores dos detalhes. Outros
costumam não definir bem o que é mais urgente, decisivo, prioritário.
Além disso, o
futebol é também imprevisível,
cheio de paixões, de desencontros e de acasos.
Conhecimento
não é apenas informação. “Os que têm estudo explicam a claridade e a treva, dão
aulas sobre os astros e o firmamento, mas nada compreendem do universo e da
existência, pois bem distinto do explicar é o compreender, e quase sempre os
dois caminham separados” (O Albatroz Azul, de João Ubaldo Ribeiro).
Há mais de 20
anos, como cronista e com a ajuda do que aprendi como atleta, tento compreender
os detalhes técnicos, táticos e humanos do futebol. Às vezes, chego perto.
Defendi
sempre, com veemência, a ciência esportiva, o planejamento, a evolução da
maneira de jogar e as estatísticas e também sempre critiquei duramente os que
ficam parados no tempo, que se agarram à experiência sobre o que um dia deu
certo. “A experiência é um farol iluminando para trás. Na frente, continua tudo
escuro” (Pedro Nava).
Detesto o
lugar-comum de que o futebol brasileiro precisa voltar à sua essência. O Brasil
tem de unir a habilidade e a criatividade com o jogo coletivo moderno.
Por
outro lado, não posso negar a presença marcante do imponderável. Só os
ignorantes desprezam o acaso.
De vez em
quando, alguém, jornalista ou não, querendo me agradar ou me criticar ou por qualquer
outra razão, tenta me rotular de analista do acaso, como se eu valorizasse
muito mais a improvisação do que o planejamento e a ciência esportiva. É
preciso saber ler e interpretar.
Veja: Razão
e emoção na busca da vitória https://bit.ly/3d9XgLy
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