Solução não é flexibilizar, mas
revogar teto de gastos, diz economista
Segundo
Grazielle David, assessora da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e
Caribe, as propostas para sair do impasse criado pelo teto não resolvem
problemas de financiamento.
Portal
Vermelho
Em meio à dificuldade do Executivo e Congresso Nacional de
encontrar espaço no orçamento para os gastos sociais devido à rigidez do teto
de gastos, começa uma discussão sobre a flexibilização da regra fiscal aprovada
sob a forma de emenda constitucional em 2016, que atrelou o gasto público à
inflação – ou seja, eliminou a possibilidade de aumento real de despesa – por
um período de 20 anos.
O presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta segunda-feira (5) que é preciso
“regulamentar” o teto e fazer as reformas tributária e administrativa para
permitir a construção de um programa social. Maia, no entanto, não esclareceu
como se daria essa regulamentação. Uma possibilidade, defendida pela
Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, seria acionar os chamados
“gatilhos”, que são mecanismos de corte de gastos quando o teto é furado,
incluindo redução de jornada e salário dos servidores e congelamento de
reajustes.
Em artigo publicado neste
domingo (4) no Estado de S. Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
do PSDB, também admitiu a possibilidade de flexibilização do teto. “Ou bem se
ajusta o orçamento aos tempos bicudos que vivemos ou, pior, voltarão a inflação
e o endividamento, e, quem sabe, as taxas de juros de longo prazo continuarão a
subir”, escreveu, defendendo ainda uma reforma administrativa que valha para os
atuais servidores e a desindexação de despesas.
Ou seja, Maia e o ex-presidente admitem buscar alternativas para
gastar mais dentro da regra do teto, defendendo simultaneamente a reforma do
Estado com propostas como as reformas administrativa e tributária. O modelo de
reforma tributária defendido por Maia e que tem maiores chances de avançar no
Congresso – previsto nas PECs 45 e 110 – não prevê onerar o andar de cima com
medidas como a tributação de lucros e dividendos e o Imposto sobre Grandes
Fortunas.
Necessidades de financiamento
Segundo a economista Grazielle
David, assessora da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe, as
propostas na mesa até agora para sair do impasse criado pelo teto de gastos não
resolvem o principal problema, que é o congelamento do investimento público,
tampouco seriam suficientes para suprir as necessidades de financiamento do
país no pós-pandemia, que serão significativas.
“Esses são os cenários para, mantendo o teto, atender as
necessidades de financiamento do ano que vem, que são imensas, sem contar com a
renda básica. Eles querem abrir uma brecha agora [no teto] e depois continuar
lá na frente. Mas existem outras alternativas e precisamos falar delas”,
afirma.
Para ela, a necessidade mais
imediata é não flexibilizar, mas revogar o teto de gastos. “Isso não significa
não ter compromisso nenhum com a política fiscal. Mas o teto que nós temos hoje
é uma política mal formulada desde que começou. É muito longo, são 20 anos.
Está na Constituição, em vez de ser lei infraconstitucional. Não permite
crescimento de despesa real. Não tem condições de se sustentar e a pandemia
antecipou esse momento. Vamos ter que fazer essa discussão agora”, diz.
Política fiscal a serviço das necessidades do país
Segundo David, um levantamento da coalizão anti-austeridade
Direitos Valem Mais estima que, somente em 2021, será necessário um orçamento
de R$ 665 bilhões para enfrentamento dos efeitos da pandemia nas áreas de
saúde, educação, segurança alimentar e nutricional e assistência social,
incluindo uma renda básica. “O que está na PLOA [Proposta de Lei Orçamentária
Anual] para essas quatro áreas, sem considerar a renda básica, é quase a metade
desse valor”, afirma a economista.
De acordo com Grazielle David,
o orçamento deveria ser construído em torno dessas necessidades de
financiamento e não o contrário. “Tem que pensar sobre a sustentabilidade da
dívida [pública] não de forma imediatista, no curto prazo, mas ao longo do
tempo. Se você dá o tempo de a política fiscal fazer efeito, ela se
autofinancia. Para cada R$ 1 investido na educação, há um retorno de R$ 1,75 no
PIB. A cada R$ 1 investido no Bolsa Família, o retorno é de R$ 1,78. O gasto
social tem um efeito na economia. O PIB aumentando, consequentemente, você vai
ter uma arrecadação aumentada”.
A economista afirma também que
não basta que propostas de mudança no sistema tributário simplifiquem e
melhorem a arrecadação. “Eu vou melhorar a arrecadação, mas sobre quem? É
preciso arrecadar mais, mas de uma forma muito mais justa. Arrecadando de forma
justa a gente consegue reativar a economia de forma que não signifique peso e
sacrifício para as pessoas”.
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