Dez minutos de idade
Fernando Sabino
A
enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e
mandou-me entrar. Estava nascendo! Era um menino.
Nem bonito nem
feio; tem boca, orelhas, sexo e nariz no seu devido lugar, cinco dedos em cada
mão e em cada pé. Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da
empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida. Ainda traz consigo, nos olhinhos
esgazeados, um resto de eternidade.
Portanto,
alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram
preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para
o nariz, mãos que se apertam, dedos que acariciam, múltiplos caminhos para os
pés. É verdade que algumas palavras, melhor fora nunca dizê-las, outras nunca
escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes se metem
onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se
fecham. Pés que se atropelam. Mas o simples ato de nascer já pressupõe tudo
isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro
vagido é um desafio. A vida aceitou um novo corpo e o batismo vai traçar-lhe um
destino. A luta se inicia: mais um que será salvo. Portanto, alegremo-nos.
Menino sem
nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedos,
quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho, porão de
fantasmas, formigas em fila, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé
machucado. O mundo de hoje, tal como o estou vendo da janela do meu
apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho
eletrocosmogônico de brincar. Ou apenas uma eterna garrafa de Coca-Cola e um
delicioso Chicabon.
Aceita,
menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a sério, com toda aquela
seriedade grave da infância, chupa o Chicabon, bebe a Coca-Cola, desmonta e
torna a montar a miraculosa máquina de brincar de nosso século que a imaginação
de teu pai jamais poderia sequer conceber. Impõe a essas coisas e a essa vida
que te oferecerão como infância a sofreguidão da tua boca, a ousadia de teus
olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me deste
por nasceres. Qualquer que seja a tua infância, conquista-a, que te abençoo.
Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também? e vá viver, em meu nome.
Nada te posso dar senão um nome.
Nada te posso
dar. No teu primeiro instante de vida minha estrela não se apagou. Partiu-se em
duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um
nome e esta estrela. Se acreditares em estrela, vai buscá-la.
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