Doce mistério da vida
Cícero Belmar
Para nós,
escritores e escritoras, que somos capazes de retirar os leitores da realidade
objetiva para acreditarem em vidas e histórias de ficções, deveríamos
estar acostumados com os doces mistérios que parecem uma expressão das nossas
energias. Com os fatos inesperados do dia a dia, que poderiam render um bom
roteiro. Afinal, as coincidências e as fantasias não são feitas da mesma
substância? Pois eu ainda me espanto e fico bastante reflexivo com certas
ocorrências.
Os leves mistérios do
cotidiano existem onde queremos vê-los. Vamos aos fatos: o interfone tocou na
tarde do dia 26 de novembro. Era o porteiro informando que uma encomenda
acabara de chegar pelos Correios. No pacote, o mais novo livro da escritora
paulista Mariana Ianelli. Dia
de Amar a Casa é uma coletânea de crônicas escritas entre 2017 e
2020, publicada pela Ardotempo. Superlivro, cuja capa tem uma reprodução de
óleo sobre tela, da década de 1950, do famoso Arcângelo Ianelli, avô de minha
amiga.
Não é preciso acreditar nas
coisas invisíveis, mas também não somos obrigados a enxergar apenas as
concretas: a chegada do livro de Mariana era um prenúncio de que, três horas
mais tarde, teríamos uma grande notícia. As redes sociais bombaram, informando
que a poetisa Cida Pedrosa recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano e o
de Melhor Poesia com o livro-poema Solo
para Vialejo, editado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
É o maior prêmio da literatura brasileira, jamais ganho por uma pernambucana.
Eu, Cida e Mariana somos
amigos em comum. Fui eu quem apresentei uma à outra e as duas se entrosaram
muito bem, pois ambas têm muita facilidade de comunicação, e de ver o lado bom
das pessoas. Ficaram próximas a ponto de Mariana ter escrito o prefácio
de Solo para Vialejo,
a obra vitoriosa de Cida. Com formação de crítica literária, Mariana Ianelli
arrasou na apresentação e ainda foi quem divulgou o livro-poema, pela primeira
vez, em 2019, quando o colocou na página “Poesia Brasileira”, do jornal de
literatura Rascunho, do qual é colunista.
Como sou eu quem faz o
prefácio do livro de Mariana, e ela faz o de Cida, achei que tudo está
interligado e que existem pequenos mistérios do dia a dia, nada demais, mas que
é preciso ter olhos para senti-los. Apenas estou enxergando os laços que nos
une e, como escritor, exercito aqui a minha capacidade de criar um bom motivo
de leitura. Mas as coincidências não acabam aqui. Eu tive a alegria e a graça
de ler ambos os livros (tanto o de Mariana quanto ode Cida) nos originais. Ouvi
as angústias e alegrias das duas escritoras, cada uma a seu modo, durante o
período que estavam produzindo essas grandes obras. Viver já é, em si, um doce
mistério.
Só para encerrar, o que
esses dois livros têm em comum? A capacidade de resgatar a vida, por meio das
palavras, com rigor técnico e beleza estética; a força de traduzir de forma tão
genuína as nossas verdades. O Solo
para Vialejo, de Cida Pedrosa, conta, em poema, uma viagem que ela
faz do mar para o Sertão. Viagem para fora e para dentro de si, que também tem
a ver com as diásporas dos negros e índios. E com os sons que os acompanharam.
O Dia de Amar a Casa são
crônicas poéticas, ou poemas em prosa, sensíveis, fortes, que têm
musicalidade nas palavras. E falam um pouco do que é ser mãe, filha, neta,
cidadã, criatura do planeta Terra, como bem observa o texto explicativo que há
na quarta capa da edição. Enfim, são duas obras de muita sensibilidade
artística, escritas por duas mulheres fantásticas.
*Cícero Belmar é
escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças
de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana
de Letras.
[Ilustração: Manabu Mabe]
Veja uma dica de leitura: Raimundo Carrero https://bit.ly/3pCHkXY
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