Teremos a chance de um segundo turno?
Luciano Siqueira
Na passagem de ano, como acontece quase sempre, a palavra
mais lida e ouvida talvez tenha sido esperança.
Muita gente repetiu Paulo Freire, esgrimindo o verbo
“esperançar”.
E, no concreto da resistência à ordem vigente, além das
anotações acerca da derrota da quase totalidade dos candidatos “bolsonaristas”
de raiz e um fio de otimismo pelo desempenho da esquerda em algumas capitais e
cidades importantes, o reconhecimento de que cerca de oitenta por cento dos
votos no último pleito municipal foram abocanhados pelas legendas de centro e
centro-direita.
Reflexo disso, o fortalecimento do “centrão”, que na Câmara
e no Senado se dispõe a dar sustentação ao governo em troca de benesses
imediatas.
Fala-se até em reforma do ministério.
E que chances teremos em 2022?
Depende.
Se tomarmos como referência o maior partido de oposição, o
PT, que rejeitou a alternativas de alianças amplas e alcançou o pior desempenho
eleitoral desde a sua fundação, as dificuldades são muitas.
Não há sinais de que o partido liderado por Lula tenha
assimilado o fracasso e esteja tirando as devidas consequências em termos de
comportamento tático.
Correndo em paralelo, a legítima aspiração de Ciro Gomes, do
PDT, situado no campo progressista, busca a diferenciação com o petismo como
meio de ampliar apoios ao centro, porém mal administrando esse viés tático.
E apesar do enfraquecimento relativo, o presidente da
República conserva a aprovação média de um terço da população, que seriam
suficientes para levá-lo a um hipotético segundo turno enfrentando a oposição
fracionada.
Donde se deduz o risco de uma disputa entre a extrema direita
e o centro-direita, repetindo aqui o que ocorreu no último pleito presidencial
na França, em que o campo progressista e de esquerda não teve outra alternativa
senão votar em Macron contra Le Pen.
O pano de fundo é a crise sanitária, econômica e social, com
drásticas repercussões sobre as condições de existência da maioria da
população. Cerca de 40 milhões de brasileiros iniciam o ano sobrevivendo
materialmente na miséria.
A agenda da resistência dos movimentos sociais – das
centrais sindicais e do movimento estudantil, sobretudo – se exercida em função
de pautas unitárias pode vir a contribuir para alterar, pelo menos em parte, o comportamento
tático exclusivista predominante na esquerda.
De toda sorte, apesar dos danos causados pela dispersão
oposicionista, a depender também do quanto se divida o centro-direita, talvez
tenhamos a chance de um segundo turno.
Daqui até lá há muito chão a percorrer.
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