No meio do caminho tem a correlação de forças
Luciano Siqueira
Questiona-se uma suposta incoerência na oposição à esquerda, que defende o
impeachment do presidente Jair Bolsonaro mas não pressiona para que a matéria
transite de imediato na Câmara dos Deputados.
Na mesma linha, muito se criticou o ex-presidente Rodrigo Maia por não ter
acolhido nenhum dos mais de sessenta pedidos de impeachment que vieram à sua
mesa – alguns respaldados por amplos segmentos da sociedade.
A hipotética incoerência se deve ao receio de que ao final do processo o
presidente poderia permanecer onde está, fortalecido.
Não há incoerência.
Há, sim, a percepção exata da correlação de forças – essa “maldita” variável
que há de ser sopesada em qualquer circunstância.
Vale para toda luta, inclusive as circunscritas a determinada categoria ou segmento
social.
Quantas vezes não vimos ótimas intenções esbarrarem na impossibilidade de
vingarem precisamente porque as forças contrárias se mostraram superiores?
Tanto que o genial líder da Revolução Russa, Vladimir Ilyich Ulianov Lenin, chegou a cunhar a assertiva de que a essência
da política está na tática e a tática decorre da correlação de forças.
Daí devamos observar a cena política em movimento.
Qual o estado atual das nossas forças, qual o estado das forças adversárias; o
grau de coesão de ambas; para onde se deslocam momentaneamente maiorias
sociais, a grande massa do povo, sobretudo; qual a possibilidade de subtrair do
adversário principal aliados que possam migrar para o nosso lado ou, pelo
menos, adotarem postura momentaneamente neutra...
Nada está parado. Aprendemos com a dialética de que o repouso é relativo, o
movimento é que absoluto.
E a todos os que detém posição de liderança nas diversas hostes que compõem o
nosso campo, digamos assim, cabe observar a situação ao modo do pescador experiente,
capaz de perceber mínimas alterações no movimento das ondas e avaliar se a maré
virá favorável, ou não.
Hoje Bolsonaro ainda não cairia através de processo de impedimento no
Congresso. Ainda conta com maioria parlamentar, sabe-se à custa de quê, e no
conjunto da sociedade seu desgaste é crescente, mas ainda conta com em torno de
trinta por cento de apoiadores fiéis e pouco menos de 50 por cento não
concordam com o impeachment.
É preciso acumular forças para inverter tendências.
Ou seja, seguir a luta erguendo bandeiras as mais urgentes e sentidas pelas
maiorias sociais, como a vacinação contra a Covid-19 e o auxílio emergencial
satisfatório, duradouro e massivo.
Por aí é possível continuarem convergindo amplos e diferenciados segmentos da
sociedade e correntes políticas – que objetivamente carreiam água para o leito
de um mesmo rio.
Enfim, não será apenas pela vontade subjetiva que inverteremos a equação
política do País.
Agir com os pés no chão e sob descortino atilado é o desafio. Para gradativamente
alterar a correlação de forças a ponto de se alcançar, se ainda houver tempo
antes do pleito de 2022, uma maioria parlamentar suficientemente pressionada a
interromper o desastroso governo Bolsonaro.
Ou se ocorrer um fato novo que altere bruscamente a situação.
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