Quem se importa com o meio ambiente?
José Bertotti*
Os brasileiros se importam com o meio
ambiente e consideram que o aquecimento global está em curso. Esses dados foram
revelados na semana passada através de uma pesquisa encomendada ao Ibope pelo
Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) em parceria com o Programa de
Comunicação de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale.
Os dados da pesquisa indicam que 92%
dos brasileiros consideram que o aquecimento global está em curso e 77%
acreditam que a ação humana é a responsável por esse aquecimento. No entanto
quando perguntados sobre quem pode contribuir para enfrentar esse problema 32%
apontam que são as empresas, 35% os governos e 24% os cidadãos, o que nos
parece bastante acertado, pois essa é uma tarefa que demanda mudança de como
nos relacionamos com a natureza.
À medida que a crise climática se
aprofunda, faz-se necessário empreender ações em um ritmo mais acelerado para
evitar impactos climáticos catastróficos. A transição para uma economia
descarbonizada começou, mas não está acontecendo na velocidade e escala
necessárias. Ela envolve novos padrões de consumo e modelos de negócio que
compreendam que os recursos naturais não são inesgotáveis, no entanto é da
natureza que extraímos toda a riqueza como já apontava Marx na Crítica ao
Programa de Gotha (2012, p. 22):
“...O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A
natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste
propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a
exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana...”
Uma das razões do
esgotamento do modelo de produção capitalista está em não resolver essa
contradição do uso sustentável dos recursos naturais, pois ao mesmo tempo que
acelera o esgotamento das fontes naturais de recursos destruindo a
biodiversidade do planeta, aumenta o fosso econômico entre ricos e pobres
tornando nosso planeta cada vez mais impróprio para sobrevivência humana.
No dezembro de 2020, o
Acordo de Paris completou cinco anos, e nesse momento de pandemia a comunidade
científica mundial reforçou a necessidade de mais ambição por parte dos
governos no enfrentamento da crise climática, e para a possibilidade de usarmos
a retomada econômica como uma estratégia para efetivarmos as mudanças
requeridas. Por outro lado, no mesmo mês de dezembro, o Brasil também apresentou a revisão de sua
meta de redução de emissão de gases de efeito estufa (NDC), com metas
totalmente desprovidas da ambição necessária para frear as mudanças
climáticas.
O fato de o governo
federal estar na contramão da pauta ambiental também foi identificado nessa
pesquisa, 82% dos entrevistados acham que as queimadas se intensificaram nos
últimos dois anos no Brasil e 84% consideram que essas queimadas prejudicam a
imagem do Brasil no exterior e consequentemente nossas relações comerciais.
Demonstrando coerência com essa preocupação ambiental 74% discordam que as
queimadas são importantes para o crescimento econômico, diferente do que tem
praticado o governo federal que tem afrouxado a fiscalização e o combate aos
incêndios criminosos diminuindo recursos destinados a essa área e
desacreditando instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio).
Diante dessa realidade acreditamos que no Brasil os Governos
Estaduais e Prefeituras tem um papel estratégico, oferecendo capilaridade a
esse senso de urgência, fazendo que a pauta climática alcance a realidade de um
número maior setores e pessoas, promovendo regionalmente o desenvolvimento de
baixo carbono e o aumento da resiliência das nossas cidades.
Vale lembrar que, em 2019, o governo federal abriu mão de
sediar no Brasil a Cúpula Mundial do Clima (COP25), diante disso um movimento
da sociedade e dos governos subnacionais realizou a primeira edição da
Conferência Brasileira de Mudança do Clima em Recife. E, durante este evento,
os órgãos estaduais de meio ambiente dos 26 estados brasileiros e o Distrito
Federal reconheceram, através da Carta da Abema pelo Clima, esse papel
estratégico dos estados no enfrentamento da crise climática.
Uma novidade é a eleição de Joe Biden para Presidente dos
Estados Unidos e seu compromisso de recolocar a pauta de enfrentamento as
mudanças climáticas nas prioridades do seu governo. Ação que se soma a retomada
verde pós-pandemia da União Europeia que se propõem a investir 750 bilhões de
euros (CLIMAINFO, 2020). Em negócios sustentáveis. Assim como aos esforços
empreendidos pela China que afirma a necessidade de construção de uma ecocivilização
socialista (XI JINPING, 2019). No entanto estudos mostram que mesmo que todos
os países conseguissem de fato cumprir suas NDCs nem assim conseguiríamos
manter o aumento da temperatura da terra abaixo dos 2 graus celsius contados a
partir dos primórdios da revolução industrial. Como já mencionado, há a
necessidade de aumentar a ambição dos países, mas sabemos também que apenas o
compromisso dos países não será o suficiente. Está claro que precisamos de uma
governança multinível, com ações em escala global, regional e local, com o
envolvimento de todos os setores da sociedade.
Temos o dever de cumprir o nosso papel e neste momento,
reunir esforços no sentido de apoiar e promover uma retomada econômica que faça
com que o Brasil se empodere da vantagem competitiva que tem, frente a outras
nações, em razão das suas condições ambientais únicas: com uma riquíssima biodiversidade,
suas florestas, seus biomas, incluindo uma gama imensa de serviços
ecossistêmicos, e uma matriz energética limpa.
A mudança do clima deve ser vista como uma oportunidade de
promover um salto no desenvolvimento, com criação de empregos, conservação dos
recursos naturais, redução das desigualdades e ampliação do progresso social. Nesse caso políticos também devem
prestar atenção nos dados dessa pesquisa Ibope que informa que 42% já votaram
em alguém por conta das suas propostas em defesa do meio ambiente.
*José Bertotti é químico
industrial, professor e secretário estadual do Meio Ambiente em Pernambuco
Referências bibliográficas
CLIMAINFO. União Europeia lança plano de recuperação
econômica com incentivos verdes.
Disponível em: https://climainfo.org.br/2020/05/28/uniao-europeia-lanca-plano-de-recuperacao-economica-com-incentivos-verdes/. Acesso em: 11/02/2021.
MARX, KARL. Crítica do Programa de Gotha. Seleção, tradução e notas Rubens
Ederle – São Paulo: Biotempo, 2012.
XI JINPING. A governança da China. Volume II.
Tradução. 1 ed. – Rio de Janeiro: Contraponto: Foreign Language Press, 2019.
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