Corujas amazônicas são descobertas, e uma delas é batizada em homenagem a Dorothy Stang
Aves já são classificadas como
criticamente ameaçadas devido ao desmatamento na região
Ana Botallo, Folha de S. Paulo
Na
floresta, durante o dia, o barulho de aves, macacos, insetos e outros animais é
ensurdecedor. No calar da noite, o silêncio reina, com alguns poucos sons de
insetos e sapos. E, às vezes, algumas aves noturnas, como as corujas, ululam em
meio à escuridão.
Foi graças ao
canto das corujas que pesquisadores brasileiros puderam descobrir quatro
espécies na Amazônia e na mata atlântica, duas delas inéditas para a ciência.
Entre as novas
corujinhas que agora se juntam à diversidade de aves brasileiras está
corujinha-do-xingu Megascops
stangiae, batizada em homenagem à irmã
Dorothy Stang, religiosa norte-americana e ativista na região
do Xingu em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Dorothy
Stang foi assassinada com seis tiros em 2005, numa emboscada, em
área do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) no assentamento Esperança.
À época,
após relato de testemunha, pouco mais de uma semana após o crime, a polícia
prendeu dois pistoleiros que confessaram e apontaram os fazendeiros Vitalmiro
de Bastos de Moura (Bida) e Regivaldo Galvão (Taradão), como mandantes, e Amair
Feijoli da Cunha (Tato), como intermediário.
As descobertas
das corujas tiveram início durante a pesquisa de doutorado do biólogo Sidnei
Dantas, desenvolvida no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA). Ao ouvir o
canto de uma corujinha-relógio (Megascops usta)
na Serra dos Carajás, ao norte do Parque Nacional
do Xingu, o pesquisador, já afiado com o canto desses bichos,
estranhou o som, diferente do esperado para aquela espécie.
Conversou,
então, com o seu orientador, Alexandre Aleixo, ex-curador da coleção de aves do
museu e atualmente pesquisador da Universidade de Helsinki. Juntos começaram
uma investigação sobre a ocorrência e a distribuição dessa e de outras espécies
do complexo das chamadas corujinhas florestais.
O gênero Megascops é o mais diverso de corujas das
Américas, com 21 espécies conhecidas, distribuídas desde a América do Norte até
a América do Sul. O complexo da Amazônia era dividido como corujinha-orelhuda (Megascops watsonii) ao norte da floresta e
corujinha-relógio ao sul. Na região da mata atlântica, a espécie conhecida era
a corujinha-sapo (Megascops atricapilla).
Por serem aves
noturnas, as colorações de plumagem das corujinhas não variam muito, o que
torna difícil a distinção entre as espécies. “Para desvendar como essas
espécies se distribuíam no Brasil, fizemos coletas de campo, além da análise de
exemplares em coleções científicas e do canto para entender melhor as relações
de parentesco do grupo”, diz Dantas.
Juntando dados
de mais de 252 espécimes em coleções, 83 cantos e mais o DNA de 49 espécimes,
os pesquisadores chegaram a uma árvore genealógica do grupo, com o aparecimento
de duas espécies inéditas até então: a tal corujinha-do-xingu e a
corujinha-de-alagoas. Esta última recebeu uma nova classificação por ser
diferente da que vive na mata atlântica do estado da Bahia para baixo.
Além das
duas espécies novas, a delimitação da área de ocorrência da corujinha-relógio e
da corujinha-de-belém (Megascops ater),
antes considerada uma subespécie da corujinha-orelhuda, também foi uma
contribuição importante do estudo. “Tradicionalmente, essas espécies amazônicas
eram consideradas uma só, com distribuição desde a Guiana até oeste do rio
Negro, mas nosso trabalho mostrou que onde antes se acreditava ter uma espécie
e talvez duas subespécies na verdade ocorrem quatro espécies distintas”, afirma
o biólogo.
Já na mata atlântica,
do estado da Bahia até o Paraná, a corujinha-sapo é relativamente comum, mas
uma população isolada em um fragmento de mata na usina de Serra Grande, no
município de Ibateguara, revelou a espécie de Alagoas. “Assim como no caso da
corujinha-de-xingu, só pudemos encontrar a nova espécie de corujinha-de-alagoas
com a análise molecular, porque os dados de morfologia eram muito parecidos”,
diz.
A distribuição
da corujinha-de-alagoas se estende um pouco mais na região, chegando até a
fronteira com o estado de Pernambuco. Nestas duas áreas, porém, ocorrem apenas
fragmentos muito pequenos de mata atlântica.
Agora,
afirma o biólogo, a descoberta —que contou também com pesquisadores da
universidade de Drexel, na Filadélfia, da Universidade Federal do Pará e com
pesquisa feita no Field Museum, em Chicago— deve direcionar os esforços de
preservação: tanto a corujinha-de-alagoas quanto a corujinha-do-xingu já são
consideradas criticamente ameaçadas.
“Essas
populações todas são muito fragmentadas, não se conectam mais devido à
destruição da mata. A não ser que haja um projeto de recuperação da floresta,
esses bichos estão condenados à extinção, infelizmente.”
As duas novas
espécies amazônicas são endêmicas do Brasil e ocorrem em áreas da
floresta sob forte impacto devido ao desmatamento. “A
corujinha-de-xingu é encontrada justamente no chamado arco do desmatamento. Por
isso, escolhemos também fazer a homenagem à irmã Dorothy, que foi uma figura
importante na região, para chamar atenção
mundial para essa parte da Amazônia que está sendo devastada em
um ritmo alarmante”, diz.
A pesquisa de
Dantas é uma entre tantas outras a desvendar o que ainda está escondido em meio
à maior floresta tropical do planeta. Além disso, acende um alerta para a
existência também de espécies ainda não descobertas e já ameaçadas de extinção
nas áreas de mata atlântica, o bioma brasileiro que mais foi degradado no
passado, com cerca de 8% de sua cobertura original ainda preservada.
Em relação ao
complexo de corujinhas, é possível que novos estudos do complexo revelem uma
diversidade ainda maior. “Sabemos que a formação dos grandes rios da bacia
Amazônica foi um evento determinante para a separação das espécies de
corujinha-orelhuda, mas só fomos desvendar a real diversidade mais de 150 anos
depois da primeira descoberta. Com certeza, se olharem para o restante do
gênero, vão encontrar muito mais espécies”, conclui.
.
Veja: Uma dica de leitura para quem gosta
de Ariano Suassuna https://bit.ly/3whh2hh
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