Mulheres ainda são as mais prejudicadas pelo excesso de trabalho doméstico
Glauce Medeiros*
A lista de afazeres
domésticos diários assumidos por mulheres de variadas culturas ao redor do
planeta parece interminável. Planejar o dia, tomar decisões, limpar a casa, cozinhar,
lavar roupa, cuidar de crianças e idosos são como um ciclo sem fim, sempre
prestes a recomeçar. O excesso de trabalho dentro de casa adoece fisicamente e
mentalmente milhares de mulheres da pior forma possível. Isso porque, além de ser
naturalizado por estar sob a responsabilidade de mulheres, ele também é
invisibilizado, pois está escondido dentro dos lares.
Quando a sobrecarga
de tarefas não é dividida com outros membros da família, o trabalho doméstico
tira da mulher o direito aos cuidados consigo mesma, à formação intelectual, à
realização profissional e ao lazer. Como não é remunerado, o trabalho doméstico
também impacta diretamente na independência financeira da mulher. E mais: a
experiência de atendimento de mulheres em situação de violência doméstica ou
sexista mostra que, sem renda, muitas mulheres não conseguem sair do ciclo de
violência doméstica.
Um relatório da Oxfam
- organização humanitária internacional reconhecida pela luta contra a
desigualdade - divulgado no início do ano passado, aponta que, por conta das
responsabilidades domésticas, 42% das mulheres em idade ativa estão fora do
mercado de trabalho. Quando fazemos o recorte do homem, o percentual cai para
6%. O dado revela uma face pouco debatida, porém grave, da desigualdade de gênero.
Importante perceber
que essa desigualdade é marcada na vida das mulheres desde muito cedo. Quanto
mais trabalho doméstico uma menina assume em casa, diz a Oxfam, menor seu
índice de escolaridade. Uma outra pesquisa, desta vez da Plan International,
revela que 65% das meninas são responsáveis por limpar a própria casa, enquanto
somente 11% dos meninos têm a mesma obrigação. Os números falam por si e
apontam consequências cruéis no futuro
O estudo Outras
Formas de Trabalho 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), aponta que as mulheres brasileiras trabalham quase o dobro de horas que
os homens nos afazeres domésticos e cuidados de parentes. Se a mulher dedica
21,3 horas semanais nesse tipo de serviço, o homem fica com apenas 10,9 horas. O
fato de mulheres ocuparem espaços de trabalho assalariado ao longo dos anos e,
consequentemente, passarem a contribuir financeiramente em casa, não garantiu
uma nova divisão sexual do trabalho no espaço doméstico. Quando a pesquisa do
IBGE une o trabalho doméstico e cuidado com parentes com a jornada fora de
casa, a mulher ainda sai em desvantagem, pois trabalha 3,1 horas a mais que os
homens nas mesmas condições.
Enquanto mulheres
responsáveis pelos afazeres da casa seguem empobrecidas e sem salário - apesar
de trabalharem muito todos os dias - homens se beneficiam dessa mão de obra
“gratuita” e podem se dedicar aos estudos, ao trabalho e ao lazer. Sendo assim,
têm mais chances de alcançarem a independência financeira.
O capitalismo é o
grande beneficiado da exploração do trabalho doméstico da mulher. Sem essa
força tarefa mobilizada nos bastidores dos lares para cozinhar, lavar roupa e
cuidar de idosos e crianças o trabalhador não poderia sair de casa para cumprir
sua jornada todos os dias.
O debate sobre as
desigualdades de gênero e econômica embutidas no trabalho doméstico não
remunerado é um caminho a ser trilhado para mudar essa realidade injusta para
muitas meninas e mulheres. Por isso, precisa ser levado para as escolas desde
cedo. Mas, urgente mesmo - e isso está nas mãos de todas e todos - é a
redistribuição do trabalho doméstico dentro das famílias. Pela saúde mental e
física de nossas filhas, companheiras, irmãs e mães. Por mais justiça social e
igualdade de direitos entre mulheres e homens.
*Glauce Medeiros é secretária da Mulher da Prefeitura do Recife
.
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