Militares não repudiam o que há de mais criminoso contra o Estado democrático
Brasil ainda não conheceu classe
militar apartidária que sirva à nação
Janio de Freitas, Folha de S.
Paulo
O primeiro ato
do general Braga Netto como ministro da Defesa foi de obediência a Bolsonaro e
de confronto
com a inquietação deflagrada nos altos comandos do Exército, da
Marinha e da Força Aérea.
Braga Netto
frustrou o ato, muito simbólico, dos comandantes das três Forças: antecipou-se,
demitindo-os, à entrega dos seus cargos em resposta à exoneração
do general Fernando Azevedo e Silva, até então ministro da Defesa.
Mas as
exonerações em questão eram outras. A insatisfação de Bolsonaro com a falta de
pronunciamentos políticos do general Azevedo, para fortalecê-lo em seu isolamento
crescente, concentrou as
explicações para a turbulência.
Esses
raciocínios, muito defensáveis, embalaram-se até à função das Forças Armadas e
sua relação com governos e política. Por isso, soterraram uma causa primordial
para a mexida de Bolsonaro na Defesa e a perigosamente importante nomeação do
delegado Anderson Torres para ministro da Justiça.
Um dos
personagens mais relevantes no problema entre Bolsonaro e o Exército ficou
citado apenas como um dos ministros substituídos. Ministro da Saúde ideal para
Bolsonaro, pela dócil obediência e, sobretudo, pela tolerância aos efeitos
letais de que foi agente, para o Exército
o general Pazuello veio a ser um problema.
Em parte, pela
projeção do seu desempenho sobre a Força e a capacidade dos colegas. E também
por ser da ativa, o que agravava a situação. O general Luís Eduardo Ramos
resistiu pouco e passou à reserva, para continuar no Planalto. Pazuello, não.
O comandante
do Exército, Edson Pujol, não absorveu os problemas representados pelo general
da Saúde e da mortandade. Para Bolsonaro, a saída necessária não era a de
Pazuello. Passava a ser de
Pujol. Fora de cogitação, no entanto, para o ministro Azevedo.
Nem com um
cargo prestigioso nas Forças Armadas, para compensar a obediência de Pazuello,
Bolsonaro contava obter do general Pujol, considerando que também as pressões
externas contra o Ministério da Saúde chegavam à saturação. Se é assim, vai-se
Pazuello, mas com ele vão Azevedo e Pujol.
Braga Netto
promete, desde o primeiro ato. Mas esquentou o clima, e nem no plano interno há
alguma clareza sobre o que surgirá depois da fumaça.As atenções deslocaram-se
para o general
Paulo Sérgio Oliveira, sucessor de Edson Pujol.
Muitos
atribuem especial sentido à nomeação, por serem contrárias ao cloroquínico
Bolsonaro todas as suas bem sucedidas providências antipandemia no Exército.
Vai ver, foi elevado a novo cargo para não dar mais entrevistas sobre a
eficácia de máscaras, distanciamentos e ficar em casa.
Ou foi escolha
de Braga Netto, pela eficiência sem lado.Deduzir desse entrevero todo, como
tantos comentaristas e cientistas políticos (mais isso, menos aquilo), que “os
militares têm consciência de que servem ao Estado e não ao governo”, e outras
tiradas oníricas, vai toda a distância a que estamos da segurança institucional
e democrática.
Enquanto
faltar a coragem moral de reconhecer que antecessores seus cometeram crimes
bárbaros e estrangularam as liberdades e demais direitos universais, os
militares não estarão a serviço legítimo da sua função de Estado. Porque não
repudiam o que há de mais criminoso contra os princípios da vida em comum e do
Estado democrático.
Em sendo
assim, pode-se até concluir que chamados de militares são uma classe de
servidores armados e fardados, com privilégios que os distinguem, praticantes
de política e intervencionismo por métodos próprios e proporcionados pelas
armas.
Militares
propriamente ditos, militares autênticos, no entanto, são profissionais
apartidários em ideologia e em política, armados pela sociedade para, em seu
nome, servir ao Estado e à nação. O Brasil ainda
não conheceu essa classe.
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