Escrevi certa vez que a nossa tendência, depois de libertados, era comprimir num tempo cada vez menor o tempo que houvéssemos tido de prisão e ampliar em muito o pouco tempo que já tivéssemos tido de liberdade. Dava então como causa do fenômeno – além de uma reação salutar do nosso mecanismo psíquico, cujo efeito reduz o mal e alarga o bem – o fato de que na prisão os dias eram quase invariavelmente iguais. O quase fica por conta de um dia absolutamente especial: o dia das visitas. Ocorria nos sábados e era sem dúvida nosso diferencial. O dia em que nos sentíamos em contato com o mundo vivo, mexendo lá fora, sentindo–nos também um pouco mais vivos. O poema de hoje tem seu foco na contemplação e na lembrança de um desses dias. Chico de Assis
VISITAS PATERNAS
Chegam simplesmente.
Sentam sorriem
pouco sussurram.
Às vezes soluçam.
Mãe e pai calados
talvez pensem atônitos
ser o silêncio
a única ponte.
Para encontrar
entender reprovar
e principalmente amar
o filho.
Depois voltam.
Deixam a sombra
na poeira que abraça
o vento e o aceno.
[Ilustração: Joaquín Torres Garcia]
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Veja: A poética ousada e cativante de Joana Côrtes https://bit.ly/3xdnKW8
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