O vírus não é o causador único dessa imensa desgraça coletiva
Janio
de Freitas, Folha de S. Paulo
Jair Bolsonaro quer mais cortes em gastos sociais previstos no Orçamento para este ano. As mutilações já feitas foram brutais, mas Bolsonaro quer mais alguns bilhões para o que se mostra no governo como o segundo gasto na ordem de nobreza: a compra de parlamentares com a liberação de bilhões para suas propostas de obras, que são catapultas eleitorais. O único gasto mais nobre no Planalto é o dos militares, cujo montante inicial perdeu apenas 3%.
As reduções
são o oposto do requerido pelo forte agravamento das condições de sobrevida da
maioria dos brasileiros. A retenção por mais de três meses do também mutilado auxílio emergencial anulou
o alívio trazido pelas parcelas do ano passado, concedidas pelo Congresso.
A fome
aumenta, e se espraia mais. Qualquer oferta de alimento atrai
filas enormes, e as coletas de doações recebem ainda quantidade ínfima para a
necessidade crescente. A maioria não tem disponibilidades para ser solidária.
Aos que a têm,
o que falta, historicamente, é o próprio sentido de solidariedade, até de
humanidade mesmo. Fosse diferente, já veríamos, há tempos, forte movimento de
socorro aos que têm fome.
Na chegada de Bolsonaro ao
poder, considerava-se, com provável otimismo, haver em torno de 24 milhões de
brasileiros vivendo com menos de R$ 246 por mês: R$ 8 por dia. Passados dois
anos, a FGV e dados do IBGE indicam o aumento desse contingente para 35 milhões
de pessoas.
Não só os já habitantes da pobreza
descem à miséria mais miserável. O título de reportagem de Fernando
Canzian para a Folha sintetiza
o que se passa nos intermediários: “Fenômeno dos anos Lula, classe C afunda e
cai na miséria”. Eloquência justificada por mais de 30 milhões que “estão
despencando diretamente da classe C para a miséria”.
A pandemia não
é causa única da derrocada social. Desde seu primeiro momento, o governo
investiu contra os programas sociais, sem exceção, e os manteve na precariedade
quando o vírus se anunciou,
se propagou e se impôs.
Nem a mínima
atenção foi dada à necessidade de se buscarem modos de atenuar os efeitos
socioeconômicos da pandemia. E, em paralelo, fosse preparada a defesa da população com a
compra de vacinas, campanhas instrutivas, orientação para as
alternativas empresariais e gerais.
Nada disso,
era só uma “gripezinha”, a cloroquina a eliminaria. A vaguidão de Paulo Guedes,
com os pés no ministério e a cabeça na Bolsa, e o desvario de Bolsonaro
associaram-se ao vírus.
Passamos de 400 mil mortes. Esse morticínio atordoa,
as crianças e famílias que caem no desamparo, se desorganizam, também perdem a
vida por outra que começa e só podem temer.
O vírus não é
o causador único dessa imensa desgraça coletiva. Tanto que maio e junho são
esperados por cientistas como ainda mais calamitosos no Brasil. E explicam: por
decorrência da baixa vacinação até aqui,
da falta de vacinas porque o governo chegou tarde, desacreditado e
arrogantemente suspeito ao balcão mundial dos imunizantes.
Logo, os
passos degradantes na escala socioeconômica, mais do que continuar, vão se
acelerar em número e em desumanidade. Nenhuma resposta lúcida pode ser esperada
do governo que pretende
até cortar mais gastos sociais.
Se a
sociedade, por sua vez, é inerte por preguiça moral maciça ou indolência
cultural incapacitante, a alienação é a mesma e mesma a consequência. Então,
lamento, o que há a dizer é isto: a perspectiva de futuro próximo é péssima
—talvez seja o que nossa paralisia mereça.
.
Para sua
informação: Três pontos sobre a CPI da Covid https://bit.ly/2P5l2AZ
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