Divagações
para destilar a raiva
Cristina França
No delicioso ‘Um Rabisco de Deus – O
Pênis, da criação aos dias de hoje’, o jornalista Tom Hickman faz um apanhado
histórico e cultural do tal. Ao ler a decisão do juiz militar Ronaldo Roth, da
1ª Auditoria Militar, em processo de jovem que acusa dois policiais militares
de estupro em Praia Grande, litoral paulista, noticiada pela imprensa esta
semana, lembrei de uma lenda descrita no livro de Hickman.
O juiz diz, ao absolver os policiais,
que a “vítima poderia, sim, resistir à prática do ato libidinoso, mas não o
fez”. A lenda japonesa fala de “um
demônio de dentes afiados que se esconde dentro de uma mulher jovem para
castrar rapazes – e que foi derrotado pela engenhosidade de um ferreiro ao
moldar um pênis de metal para quebrar os dentes do demônio...” Maldito
ferreiro, a jovem não resistindo teria sua vingança. Mas, certamente teria
decepados seus seios.
Conta Hickman de lei Assíria (em
itálico no livro): “Se uma mulher esmagar
um dos testículos de um homem em uma briga, um de seus dedos deve ser cortado,
e mesmo que um médico tenha aplicado um curativo, caso o segundo testículo
tenha sido afetado ou inflame, ou se ela esmagou o segundo testículo nessa
briga, ambos os seus seios devem ser arrancados.”
A sentença do juiz Roth é um acinte à
pessoa. O crime ocorreu. A vítima diz que foi obrigada a engolir o sêmen. Mais
de Hickman: “Hipócrates ensinava que o sêmen vinha do cérebro, direto até o
pênis, o que Galeno mais tarde emendou dizendo que chegava do cérebro até o
testículo esquerdo, onde era purificado e aquecido até o “auge da mistura”,
passando então para o direito para aguardar sua utilização”.
Sabe-se que o machismo acredita
piamente no oposto glorioso das citações de Hickman: “... a poeta Sylvia Plath
dizia: um velho pescoço de peru com sua moela; ou Jane Ingersoll no livro
Purple America, de Moody, “a mais feia das partes anatômicas que existem, comparável
a um bócio”. A defensora pública do caso da jovem, Paula Sant’Anna Machado de
Souza, é lapidar na sua análise: “a pessoa não é culpabilizada nos demais
crimes. Ninguém fala ‘aquela pessoa estava com a porta de casa aberta, então
mereceu ser roubada’. Mas, infelizmente, os julgamentos se fazem presentes
quando se trata de crime sexual”.
A vagina é uma porta aberta. Hickman
para concluir: “Em The Second Sex, Simone
de Beauvoir escreveu que dá para entender que alguns jovens fiquem nervosos em
sua incursão “por dentro do escuro segredo das mulheres, sentindo, mais uma
vez, um medo infantil, como no portal de uma caverna , ou tumba” e seu medo de
que “um pênis entumecido possa ser fisgado em seu tecido mucoso”. Ah, Simone,
seria interessante ver máquinas de raio-X provando abduções penianas nos
tribunais.
*Cristina França é jornalista
[Foto: Felipe Sucupira]
Veja: O ritmo e o tom do povo nas ruas agora https://bit.ly/2UAeyfR
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