É impossível entender a China sem passar pelo
Partido Comunista
Há o sentimento, ainda que
alimentado pelo governo, de que a vida dos chineses melhorou e o país é mais
forte
Tatiana Prazeres, Folha de S. Paulo
Em viagem
recente à província de Guizhou, no sudoeste da China, presenciei uma cena curiosa. Num museu, vi
muitas pessoas, umas cem talvez, vestidas com um uniforme antigo do Exército
Vermelho do Partido Comunista Chinês.
Jovens e
idosos, mulheres e homens portavam o traje azul pastel com barras vermelhas na
gola. Um quepe azulzinho ostentando uma estrela vermelha compunha o figurino. A
tiracolo, usavam uma bolsa estampada com a imagem de Mao. Em
2021, celular em punho e tênis confortáveis completavam o visual do que era um
grupo de turistas chineses.
A menos de 30
dias do centenário do Partido Comunista Chinês, os jornais destacam a história
revolucionária e o turismo associado a ela. Autoridades promovem o que elas
mesmas chamam de turismo vermelho, que tem na cidade de Zunyi, em Guizhou, um
dos seus pontos altos.
Na casa hoje
transformada em museu, houve em 1935 uma reunião que consolidou a liderança de
Mao Tsé-Tung, e aassim a cidade virou parada obrigatória do turismo cívico da
China de hoje.
Lustrando suas
credenciais revolucionárias, várias províncias têm promovido rotas turísticas
temáticas. Sichuan lançou 11 circuitos sob o tópico “Revisitando o Caminho da
Longa Marcha”. A cidade natal de Mao, Shaoshan, na província de Hunan,
transformou-se em foco de peregrinação.
A promoção do
turismo vermelho é apenas uma pequena parte da grande apoteose do centenário do
partido. A festa de aniversário reforça o estranhamento e a desconfiança que há
no Ocidente a respeito do modelo político chinês.
Pode ser
tentador menosprezar o estilo chinês de fazer política focando-se no curioso,
no excêntrico ou no caricatural. É tentador —mas enganoso– pensar que tudo se
resume a propaganda.
Mesmo que
alimentado pelo governo, há o sentimento de que, sob o comando do partido, a vida dos chineses
melhorou e o país é mais forte.
Ademais, o
partido continua a frustrar aqueles que insistem em prever seu colapso
iminente. Não vai esfarelar amanhã. Ao contrário, sai fortalecido
pelos resultados no combate
à Covid, com seus reflexos na economia e na autoconfiança dos
chineses.
A realidade é
que o Partido Comunista Chinês
é o centro de gravidade do poder no país. Gostemos ou não, para se ter uma
noção básica da potência ascendente do nosso tempo, é preciso entender melhor o
partido e sua centralidade no modelo político chinês.
Para ilustrar
por que isso importa, tomo emprestado um exemplo do jornalista Richard
McGregor. Pense no que seria, digamos, a área de recursos humanos do partido, o
Departamento Central de Organização.
Se houvesse um
equivalente nos EUA, esse departamento, diz McGregor, seria responsável pelo
processo de escolha dos governadores de todos os estados americanos e dos
prefeitos das grandes cidades do país. Esse órgão faria a seleção dos
presidentes de empresas que respondem por cerca de um quarto do PIB americano.
Estaria ainda sob sua responsabilidade a escolha das chefias dos jornais e das
redes de televisão do país, além de membros da Suprema Corte. Esse é, por assim
dizer, o RH do partido.
Não é questão
de gosto ou preferência política. Não importa o que seus instintos lhe digam
sobre a peregrinação rumo à cidade de Mao ou sobre turistas vestidos de membros
do Exército Vermelho. É impossível entender a China de hoje sem passar pelo Partido
Comunista Chinês. Quem preferir pular esse capítulo não vai entender a
história.
Veja: Como a gente se encontra nas redes https://bit.ly/3mLkOvf
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