Emendas ao Orçamento Geral da União são um instrumento legal e possibilita que deputados e senadores possam traduzir em recursos a satisfação de reivindicações, em princípio procedentes, de Estados e Municípios. Mas sob o gpverno Bolsonaro, a tentativa de dar um mínimo de estabilidade a uma maioria parlamentar porosa, essa passou a ser um questão suspeita. Transcrevo a matéria a seguir por considera-la uma informação objetiva sobre a questão. (LS)
A FARRA DAS EMENDAS PIX NO
CONGRESSO
Deputados e senadores já liberaram mais de 1 bilhão
de reais em dinheiro público transferido diretamente para o caixa de estados e
municípios, sem finalidade definida nem transparência
MARTA
SALOMON, revista Piauí
Mais de 2.500 km separam os municípios de
Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, e a pequena Parambu, no
sertão de Inhamuns, no Ceará. Um tem treze vezes a população do outro. Em
comum, os dois municípios são os primeiros destinatários dos maiores repasses
no Orçamento da União deste ano – 8 milhões de reais cada – oriundos de um tipo
especial de emenda parlamentar. Populares entre deputados e senadores de todos
os partidos, as transferências especiais de dinheiro público a estados e
municípios, conhecidas como emendas pix, já liberaram até 28 de julho mais de 1
bilhão de reais, quase 70% a mais do que no ano passado inteiro. Os prefeitos
poderão gastar os recursos como acharem melhor. E cabe a eles escolher se
tornam público o destino do dinheiro em plataforma de acompanhamento de gastos
do governo.
A prefeitura de Carapicuíba informou que os 8 milhões de reais irão para obras de infraestrutura, como o recapeamento de ruas, reforma de prédios públicos e obras de prevenção de enchentes. “A transferência especial facilita a burocracia e agiliza o andamento de obras, pois não precisa passar pela Caixa Econômica Federal”, argumentou em nota à piauí a assessoria do prefeito Marcos Neves, do PSDB, mesmo partido a que se filiou o autor da emenda, Alexandre Frota (SP), há quase dois anos. Quando foi eleito pelo PSL em 2018, Frota teve menos de 1% dos votos para deputado do município.
A prefeitura de Parambu não informou como
pretende usar os seus 8 milhões de reais, que correspondem a cerca de 10% de
todo o orçamento municipal. O deputado Genecias Noronha (Solidariedade-CE)
também não quis comentar se o fator parentesco contou para garantir o envio do
dinheiro ao município governado pelo sobrinho, Rômulo Noronha – e do qual
também já foi prefeito. Nas eleições de 2018, Genecias teve quase 70% dos votos
na cidade.
As transferências especiais mais do que
triplicaram no Orçamento de 2021 em relação à lei orçamentária do ano anterior.
Passaram de 621 milhões de reais no ano passado, o primeiro em que vigoraram,
para quase 2 bilhões de reais neste ano. Entre os 594 deputados e senadores,
400 parlamentares propuseram emendas desse tipo, sem finalidade definida. Como
em 2020, todo o dinheiro será liberado até o final do ano, porque são emendas
impositivas, reiterou a Secretaria de Governo da Presidência da República, responsável
por administrar o fluxo das emendas. Desde que as transferências especiais
começaram, essa modalidade de emendas já garantiu 2,6 bilhões de reais, ou
quase meio fundão eleitoral aprovado pelo Congresso para financiar as
candidaturas em 2022, de 5,7 bilhões de reais.
A piauí perguntou à ministra Flávia Arruda, da
Secretaria de Governo, se defende maior transparência para as transferências
especiais, mas ela não respondeu. Em 15 de junho, Arruda assinou, com o
ministro Paulo Guedes, da Economia, portaria com normas para a liberação do
dinheiro. O documento diz que prefeituras e governos estaduais beneficiados
poderão registrar informações sobre o gasto do dinheiro na Plataforma +Brasil,
“para fins de transparência e controle social das transferências especiais”.
Mas trata-se de uma opção, não de uma obrigação.
Ainda não é possível saber quantos estados e municípios serão beneficiados ao todo em 2021 com as emendas pix. Os detalhes só aparecem no momento em que as despesas são empenhadas, passo que antecede o pagamento. Cada parlamentar tem uma cota de até 16,2 milhões de reais para emendas individuais. Dentro desse total, o limite para emendas especiais é de 8,1 milhões. Os maiores valores liberados até o momento nessas transferências especiais são de 8 milhões, como os destinados a Parambu e Carapicuíba. O deputado Vaidon Oliveira (Pros-CE), por exemplo, rateou seus 8 milhões de reais de uma única emenda pix entre cinco municípios cearenses: Quiterianópolis, Ipu, Nova Russas, Croatá e Pentecoste. Até 28 de julho, 4,7 bilhões de reais já haviam sido comprometidos com o pagamento dessas emendas individuais.
Legalmente, o dinheiro das transferências
especiais não pode ser usado para pagar pessoal nem juros de dívidas. Sete a
cada dez reais transferidos devem ir para investimentos. Caberá aos tribunais
de contas apurar eventuais desvios. A identificação de irregularidades não
bloqueará novas transferências especiais, liberadas mesmo para municípios
inadimplentes.
Não é pouco dinheiro. O valor repassado aos
municípios de Carapicuíba e Parambu – 8 milhões de reais – equivale a mais de
três vezes todo o gasto previsto para o Instituto Nacional de Pesquisas
Especiais (Inpe) monitorar desmatamento e queimadas na Amazônia e no Cerrado
(2,6 milhões de reais), por exemplo. Menos de oito emendas como as que
beneficiam os dois municípios seriam suficientes para bancar todo o programa de
construção de cisternas para água, tanto para o consumo humano como para a
produção de alimentos no Nordeste, que nem começou a ser executado neste ano.
No bolo das emendas individuais
apresentadas por deputados e senadores ao Orçamento da União, de 9,7 bilhões de
reais, as emendas pix só perdem para o aumento temporário de verbas para o
custeio dos serviços de atenção básica de saúde, a porta de entrada do Sistema
Único de Saúde.
Governistas e oposicionistas usam as
emendas pix. A Secretaria de Governo da Presidência não informou por que alguns
parlamentares têm o dinheiro liberado para suas emendas na frente de outros.
Nem por que o PSL, legenda de Jair Bolsonaro na eleição, dona da segunda maior
bancada, recebeu menos até
agora do que o MDB e o PSD,
partidos que detêm bancadas menores. O PT lidera o rateio.
São seis os parlamentares que não tiveram
nenhum centavo de suas emendas empenhado até o dia 28. O senador Vanderlan
Cardoso (PSD-GO) é um deles. “O fluxo de liberação está normal”, comentou o
aliado do governo, que espera ter os 16.279.986 reais de emendas – o limite a
que cada parlamentar tem direito – integralmente liberados até o final do ano.
Diferentemente de outros quatrocentos colegas, Cardoso não propôs nenhuma
transferência especial, por uma preferência de sua base eleitoral. “Adotamos o
critério de pesquisar antes, e os próprios prefeitos têm optado por
equipamentos como tomógrafos, ônibus escolares, transportes de pacientes para
hemodiálises e salas de parto”, completou.
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), atua na liberação de emendas dos parlamentares, mas só conseguiu
liberar para suas emendas 34,6 mil até o momento. No fluxo de liberações, Lira
está uma posição atrás do deputado Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou
pressões para a compra de vacinas do laboratório Covaxin contra a Covid-19. O
presidente da Câmara comentou apenas que a liberação do dinheiro segue o
calendário do governo e depende da análise e trâmite nos ministérios.
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