Dor e sangue
Chico de
Assis*
Completo hoje 51 anos do dia que
poderia ter-me tornado — se competência para isso existisse — um outro autor de
algo similar ao “Recordações da Casa dos Mortos” do grande Dostoievski,
escritor russo. Eram aproximadamente 6 da manhã, quando acordamos — eu e as
duas companheiras que comigo se encontravam, Nancy Mangabeira Unger e Vera
Pereira Rocha — sob tiros e gritos de ordem de prisão, originários do
contingente policial que já cercara completamente a casa onde estávamos, no
bairro de Afogados, aqui no Recife. A reação automática que nos levou a tomar
do revólver calibre 38 — para tentar alguma reação ou sorte de fuga
— durou apenas o tempo em que Nancy foi
atingida por bala de fuzil 12, o que nos fez gritar que nos renderíamos e que
havia uma pessoa ferida.
Começava ali uma história que as duas
companheiras viveriam no exílio — resgatadas que foram, meses depois, entre os
70 presos políticos solicitados em troca do embaixador suíço, então sequestrado
por forças revolucionárias — e eu entre a Casa de Detenção do Recife, até
sua extinção em 1973, e a Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá-PE, ao
lado de algumas dezenas de outros presos políticos.
Foram muitas as aventuras e desventuras
vividas por nós três, a partir daí, não sendo o caso de esmiuçá-las agora. Aqui,
cabe apenas o registro de que foram acontecimentos que marcaram profundamente o
curso das nossas vidas.
No que me toca especificamente, depois
de todo esse tempo, apenas duas perguntas sobrevivem:
onde é que fui mais vivo?
onde é que fui mais livre?
*Poeta, ex-preso político
.
Veja: Na relação de Bolsonaro com as Forças
Armadas, separar o joio e o trigo é necessário https://bit.ly/3xOWa13
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