16 julho 2021

Presos políticos

Dor e sangue

Chico de Assis*

 

Completo hoje 51 anos do dia que poderia ter-me tornado — se competência para isso existisse — um outro autor de algo similar ao “Recordações da Casa dos Mortos” do grande Dostoievski, escritor russo. Eram aproximadamente 6 da manhã, quando acordamos — eu e as duas companheiras que comigo se encontravam, Nancy Mangabeira Unger e Vera Pereira Rocha — sob tiros e gritos de ordem de prisão, originários do contingente policial que já cercara completamente a casa onde estávamos, no bairro de Afogados, aqui no Recife. A reação automática que nos levou a tomar do revólver calibre 38 — para tentar alguma reação ou sorte de fuga

— durou apenas o tempo em que Nancy foi atingida por bala de fuzil 12, o que nos fez gritar que nos renderíamos e que havia uma pessoa ferida. 

Começava ali uma história que as duas companheiras viveriam no exílio — resgatadas que foram, meses depois, entre os 70 presos políticos solicitados em troca do embaixador suíço, então sequestrado por forças revolucionárias — e eu entre a Casa de Detenção do Recife, até sua extinção em 1973, e a Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá-PE, ao lado de algumas dezenas de outros presos políticos. 

Foram muitas as aventuras e desventuras vividas por nós três, a partir daí, não sendo o caso de esmiuçá-las agora. Aqui, cabe apenas o registro de que foram acontecimentos que marcaram profundamente o curso das nossas vidas. 

No que me toca especificamente, depois de todo esse tempo, apenas duas perguntas sobrevivem:

onde é que fui mais vivo?

onde é que fui mais livre?

*Poeta, ex-preso político

.

Veja: Na relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, separar o joio e o trigo é necessário https://bit.ly/3xOWa13

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