O
porco imperador
Leonardo Marques*
Impressionantes
são os meios como as histórias nos chegam. Sempre de ouvidos bem abertos,
procurei fazer do pouco tempo que tenho sido hóspede na Terra uma grande
experiência, capaz de compensar as linhas do tempo e atravessar as dimensões do
Universo. Sinto que perco a cor nos dias que passo direto por alguém que delira
na rua. Estou severamente pálido ultimamente. Mas ouvi uma história esses dias
que me fez rir e também sentir embrulhos no estômago.
Quem
me contou foi uma mosca, cansada de viagem, que me pediu aposento na tigela com
o macarrão de ontem. Ela vinha diretamente de uma pequena cidade no interior da
Paraíba. Enquanto eu almoçava, ela me relatava ao passo em que esfregava as
patas:
Tive que me mudar; o Porco Imperador
tomou tudo que eu tinha. Dia após dia, desde que eclodi, minha vida naquele
chiqueiro era um inferno!
Mas tudo bem, você mal me conhece, né?
Vou contextualizzzar.
O
Porco Imperador era farto, roliço e reluzzzente. Banhava-se, apenas, nas
melhores lamas do açude. Andava com pompa, apesar de ter um rabo fino. Sujeito
escroto! A realidade é que o Porco Imperador era muito mais ordinário do que
aparentava, por isso ele fazzzia questão de que todos vissem o quão
extraordinário ele conseguia parecer ser.
As
relações naquela roça eram peculiares. Ele se casou com uma cabra, imagine só!
(Cá pra nós, quando saí de lá, de cabra só lhe restavam os pensamentos.) Mas o
fezzz não por amor, mas por ser um ordinário.
Pense
comigo: um porco ordinário no meio de outros porcos seria só mais um porco,
certo?
– “… Certo.” Respondi, franzindo a
testa curioso.
A mosca prosseguiu:
Pois
bem, aquele sujeito jamais suportaria viver entre outros porcos, quem dirá
casar-se com uma igual a ele. Seria seu fim.
Então
casou-se com uma cabra e dedicou todos os dias de sua vida extremamente
ordinária a apagar dela a sua personalidade. Fazzzia o mesmo com todos ao seu
redor: os carrapatos que se encrostavam em seu pescoço, os jumentos que
carregavam quilos e quilos de lavagem pra ele comer, os bodes que nele
confiavam, as capivaras, suas amigas mais indiferentes; e comigo, que limpava
os restos de comida que ficavam perdidos no topo de sua cabeça. (Ele comia como
uma fera selvagem!) Eu saía ganhando, também, claro. Mas… não aguentei.
A
gota d´água foi na semana retrasada. Acordei pela manha, encostei na primeira
pocinha que vi. Bebi minha água, esfreguei os alongamentos matinais e saí
voando pelo roçado. A cabra, sua esposa, de tão abatida, andava a passos lentos
para a leiteira. Pobre criatura. Passei. Chegando no chiqueiro, o Porco
Imperador grunhia aos quatro ventos sua nova aquisição: um argola de narizzz
dourada! Brilhava. Ele estava realmente orgulhoso. Pousei num canto e fiquei
observando.
Horas
mais tarde estava proseando com um bode quando o porco passou enfurecido,
grunhia ferozzzmente… “Lavagem, lavagem, estou cheio de lavagem! Só penso em
lavagem. QUERO MAIS LAVAGEM!”, esbravejava enquanto a cabra e os carrapatos
ouviam perplexos. Fiquei horrorizzzada. Como poderia? O possuidor de uma argola
tão reluzzzente como aquela estar tão indignado por lavagem?
Foi
quando me toquei que nem toda lavagem do mundo satisfaria aquele porco, que
insiste em ser extremamente ordinário. Percebi que limpar os restos de comida
daquela cabeça vazzzia vale muito mais do que encher a barriga. Eu estava
perdendo, então. Deu.
Saí,
de barriga oca, passei poucas e boas mas cá estou. Viva, felizzz. E ainda posso
ter uma boa prosa com um bom sujeito como você.
“Obrigado…
na verdade, a sua história é de embrulhar o estômago, mas me corou as
bochechas…”, agradeci desconsertado.
–
De nada, respondeu a mosca. E imediatamente completou: Posso aproveitar aquela
banana velha na fruteira pra tirar um cochilo?
Respondi
que sim, que ela ficasse à vontade. A casa era dela.
Bem-humorada,
respondeu: Obrigado. zZz…
*Estudante universitário, cronista
[Ilustração: Reprodução fotográfica | O Impossível, 1946, de Maria Martin]
.
Uma tema político, veja: Quem avisa que vai melar o jogo com
tanta antecedência bom sujeito não é https://bit.ly/2TUCwlA
Excelente crônica, sei que sou meio suspeita de falar rsrs!
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