Os baobás são eternos
Cicero Belmar*
Muitas
coisas podem ser ditas sem o uso das palavras, sem a frase pronunciada. A
linguagem dos nossos gestos desafia e esclarece: se alguém planta um baobá, por
exemplo, pode estar falando da superação do tempo. Da sobrevivência. Da
resiliência. O baobá, todos sabemos, é árvore que atravessa os séculos, alcança
um milênio.
Há uma lógica
presente em cada gesto nosso, de cidadãos comuns. Muito mais no dos políticos
que agem com objetivos específicos. Na política, a simbologia é inerente à
ação. Uma muda de baobá foi escolhida, não por acaso, para ser plantada pelo
ex-presidente Lula quando esteve, semana passada, em Pernambuco. A nós, cabe a
tarefa de decifrar as metáforas.
O baobá vem
de longe. Da África. Da noite dos tempos. Tem significados. A imprensa é que
não deu importância ao fato. A muda foi plantada no assentamento Che Guevara,
da reforma agrária, em Moreno, Região Metropolitana do Recife. Logo, entrei em
contato com Fernando Batista, amigo do lado esquerdo do peito, para ouvir sua
opinião.
Era a
primeira vez que Lula visitava seu estado natal, desde que o STF o inocentou
dos processos movidos contra ele. Era, também, o início de uma caravana por
vários estados do Nordeste. Cada coisa, portanto, estaria planejada. Aquela
história: se desejamos falar da esperança, começamos assumindo gestos que
evoquem a esperança.
Mestre em
Antropologia, Fernando Batista, ele mesmo um disseminador de baobás, concordou:
o plantio era simbólico. Antes de tudo, é preciso dizer que a espécie é
originária do continente africano. Quando os negros eram trazidos à força para
serem escravizados no Brasil, muitos se despediam da árvore. Ela está na
construção histórica do povo.
“Mais
política do que esta árvore, impossível. Ela se tornou um emblema da luta do
negro. Pela sua longevidade ela é superação e resistência. O uso dela no atual
contexto, representaria a sobrevivência, a superação, a certeza de que vamos
presenciar um outro momento da nossa história”.
Fernando mora
em Salvador (BA), mas plantou diversos pés de baobá quando residia no Recife.
“É uma árvore que fala de continuação da vida. Por atravessar os séculos, ela é
testemunha ocular de fatos; de desgraças que o povo venceu. Portanto, ela marca
a vida de muitas pessoas, torna-se elo de diversas gerações. Tem a ver também
com o conceito de ancestralidade. Em Pernambuco, o baobá tem valor afetivo,
histórico e filosófico”. Mais ainda: “É uma árvore que tem nomes e sobrenomes”.
Desde o
início do século 20, segundo Fernando, pessoas residentes no Recife como
Napoleão Barroso Braga, José Pereira Leite, Oswaldo Martins de Souza e Irineu
Renato Barbosa, se sensibilizaram com os baobás. Propagaram ou protegeram
exemplares da espécie, identificada como uma das mais antigas do planeta.
“Eu tenho até
certidão de nascimento de um baobá. Um grupo de pessoas redigiu a certidão
dizendo hora, local, dia, mês e ano em que a muda foi plantada. E todos os que
estavam presentes atestaram o plantio. Tudo foi registrado, como numa certidão
formal”, relatou Fernando.
Disse,
também: o poeta João Cabral de Mello Neto, pernambucano, era maravilhado com os
baobás. Escreveu três poemas, “Um baobá no Recife”; “Baobá no Senegal” e “Baobá
como Cemitério”. A árvore também foi associada (durante protesto realizado em
1988, no Recife) a um ícone da cultura negra, o poeta Solano Trindade, autor de
uma obra fortemente social, entre elas “Gravata Colorida” e “Tem Gente com
Fome”.
Fernando
planta baobás desde 2002. A partir de 2003, começou a produzir mudas e as
primeiras doadas foram para Francisco Brennand. Na Oficina Brennand, vingaram
três. A partir de 2005, levou baobás para Salvador. Há um no Terreiro da Casa
Branca, evocando a ancestralidade negra.
Num plantio
realizado por Fernando, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 21 de
fevereiro de 2006, participaram muitas autoridades do Candomblé da Bahia. O
baobá foi plantado sob ritual da religião.
Voltando ao
assunto inicial: muitas pessoas estiveram no ato e agora são consideradas
testemunhas de nascimento da muda que o ex-presidente Lula plantou, em
Pernambuco. Baobá para futuras gerações: as emoções profundas também são feitas
de posturas. O silêncio também comunica.
*Jornalista, escritor, membro da Academia Pernambucana de
Letras
.
Veja: Um
encontro entre velhos companheiros de luta https://bit.ly/3kbDHqq
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