22 agosto 2021

De mal a pior

Maioria dos indicadores piora após 2 anos e meio de Bolsonaro e com pandemia
Economia, educação, saúde, social e ambiente passam por retrocesso, e não houve avanço significativo em nenhuma área; metade do período transcorreu sob a Covid-19
Transcrição parcial de reportagem da Folha de S. Paulo

A análise da evolução de indicadores nos 30 primeiros meses da gestão de Jair Bolsonaro mostra que o país não conseguiu avançar significativamente em nenhuma área e assistiu a retrocesso na economia, no social, meio ambiente, saúde e educação, entre outros.

Dos indicadores analisados pela Folha, 63 tiveram piora, 28 melhoraram e 10 permaneceram estáveis.

Metade desse período transcorreu sob a pandemia de Covid-19 —que não teve a gestão analisada por não haver parâmetros de comparação fora do atual governo—, mas já era mais negativo do que positivo o saldo do primeiro ano sob Bolsonaro, 2019, antes da chegada da doença.

Dos 12 indicadores de meio ambiente e das áreas social, agrária e indígena analisados, 11 apresentaram piora. Os números mostram um cenário de destruição das florestas e de desmonte de órgãos responsáveis pela fiscalização, em especial o Ibama.

A política de paralisação da reforma agrária e de demarcação de terras indígenas também foi uma tônica. O Incra não emitiu nenhum decreto de desapropriação de terras e não houve terra indígena identificada, declarada ou homologada.

"Aumento do desmatamento, da grilagem de terras e do garimpo ilegal. O governo tem combinado medidas administrativas com restrição orçamentária, além de articulação com bancada ruralista e centrão, para aprovação do desmonte dos direitos socioambientais", diz Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

Aumentaram também a desigualdade e a pobreza, apesar do pagamento de auxílio emergencial.

"Quando saiu do auxílio pleno para a suspensão [no início de 2021], a pobreza foi triplicada. O auxílio atual, menor, não compensou toda contração trabalhista", afirma Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social.

Dois dos principais programas sociais do governo passaram por momentos de esvaziamento. Um deles, o Minha Casa Minha Vida, foi rebatizado de Casa Verde e Amarela e abandonou o seu cerne, que era subsidiar até 90% do valor da casa própria para famílias de baixa renda.

O Bolsa Família, que foi criticado por Bolsonaro durante boa parte de sua carreira, voltou a ter fila de espera e sofreu com restrição orçamentária. Atualmente, voltou a superar a casa dos 14 milhões de famílias atendidas e, sob o nome Auxílio Brasil, está em fase de reformulação.

No recorte econômico, os levantamentos do início do governo mostravam equilíbrio, mas agora o quadro é de deterioração —33 indicadores pioraram e 20 melhoraram.

Parte do desempenho é explicado pela pandemia, com fechamento de empresas, aceleração do desemprego e alta no endividamento das famílias. Ao mesmo tempo, o governo foi forçado a adotar medidas emergenciais, o que impactou as contas públicas.

Tudo isso em meio à alta da inflação, com disparada dos preços dos combustíveis e da cesta básica.

Diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado), a economista Vilma da Conceição Pinto afirma que a análise fica parcialmente nublada pela pandemia, mas ressalta que há pontos críticos, como desemprego, já alto antes da pandemia, e a inflação. Ela ressalta que o governo não tem conseguido cumprir normas fiscais sem propor alterações, mesmo que temporárias, das regras.

“A condução da política fiscal do governo nesses anos foi um pouco aquém daquilo que o próprio governo propôs e não houve grande avanço no ajuste fiscal”, disse.

Do lado positivo, houve melhora na balança comercial e forte expansão da Bolsa de Valores de São Paulo.

Na marca de seis meses de governo, em 2019, o então subsecretário do ministério Vladimir Kuhl Teles havia afirmado que a economia mostraria sinais positivos com medidas como a reforma da Previdência, aprovada naquele ano, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, o programa de barateamento do gás natural e as privatizações.

Dois anos depois, nenhuma estatal foi privatizada, o acordo com a União Europeia está travado e o novo marco regulatório do mercado de gás ainda não resultou no prometido "choque de energia barata".

Economista-chefe do Credit Suisse Brasil e colunista da Folha, Solange Srour afirma que o governo assumiu em um cenário de lenta recuperação econômica e pró-reformas estruturantes. A partir da pandemia, no entanto, a batalha passou a ser para evitar contrarreformas.

Ela defende uma retomada sustentada, com reformas, zelo com os gastos públicos, revisão de despesas e reforço de programas sociais. No entanto, diz, governo e Congresso sinalizam outra direção.

“Não estamos discutindo uma reforma administrativa séria, uma reforma tributária que vai trazer progressividade, estamos indo para um caminho que vai ser restritivo para a atividade porque trará falta de confiança e aumento de juro real.”

​Na saúde, o balanço considerou indicadores usados em momentos anteriores sobre estrutura da rede e alguns serviços, além de informações sensíveis a questões de assistência, caso da mortalidade materna e mortes prematuras por doenças crônicas, com dados recentes. Destes, 5 indicadores apresentam piora, 2 estão estáveis (com sinais de alerta) e 2 têm melhora.

Apesar de ter havido aumento no número de médicos na atenção básica, houve redução no número de agentes comunitários de saúde e queda no número de atendimentos nesse nível de atenção à saúde.

Outro ponto que chama a atenção são novas quedas na taxa de cobertura vacinal de rotina para crianças, revertendo um cenário de melhora em 2018.

"Conseguimos uma boa cobertura vacinal quando as pessoas vão até unidades básicas e equipes trazem pessoas para vacinar. Se tem uma redução, isso quer dizer que o sistema pode não estar chegando às pessoas", afirma Adriano Massuda, pesquisador da FGV Saúde.

Na atenção especializada, os dados mostram aumento no número de leitos hospitalares e de UTI, situação que mostra a capacidade de expansão do sistema em momentos de crise.

Um dos dados mais alarmantes refere-se ao aumento no número de mortes maternas, por complicações durante a gravidez, parto ou pós-parto. Só de janeiro a abril de 2021 ocorreram casos que representam quase 50% do total de 2020.

Os registros indicam fatores além da Covid, aponta Fátima Marinho, especialista sênior da Vital Strategies, que monitora esses dados. "É uma piora imensa. Isso mostra um problema de assistência."

Massuda concorda. "A pandemia exacerba fragilidades do sistema."

O Ministério da Educação foi palco de grandes turbulências e Bolsonaro já está com seu terceiro ministro. O pastor Milton Ribeiro manteve o perfil ideológico de seus antecessores (Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub) e também a falta de liderança dos rumos da educação.

Dos 13 indicadores analisados, 8 apresentaram piora.

Estados e municípios, que concentram as matrículas, não contaram com apoio federal para a manutenção do ensino remoto ou para o retorno seguro às escolas. Ações para infraestrutura das escolas não ocorreram. ​

Em 2020, a educação representou 5,2% dos gastos totais do governo —era de 6% em 2018.

A redução geral do orçamento atinge também a educação básica, elencada como prioridade do governo. Em 2020, a etapa teve pior orçamento em uma década, com a redução de investimentos para construção de creches e ampliação do tempo integral.

Sob Bolsonaro, a meta do Plano Nacional de Educação de ter ao menos 25% das matrículas da educação básica em tempo integral até 2024 fica mais distante. Esse percentual caiu para 13% no ano passado -- em 2015, era 18%.

Lucas Hoogerbrugge, do Movimento Todos pela Educação, ressalta que os governos estaduais e municipais também têm sua parcela, mas destaca a responsabilidade federal.

"O governo Bolsonaro não tem projeto para a educação brasileira, e as pautas do MEC, como o ensino domiciliar [única matéria legislativa prioritária para o governo neste ano], estão muito longe daquilo que é importante para melhorar acesso e equidade na educação", diz. A aposta em escolas cívico-militares também é vista como ineficaz diante dos desafios educacionais.

A queda de orçamento também atinge o ensino superior. O ProUni e o Fies vivem fortes reduções. O Enem, principal porta de entrada para a universidade, teve o menor número de inscritos desde 2005.

A área de segurança tem como maiores responsáveis os estados, mas o governo buscou protagonismo ao patrocinar o Em Frente Brasil, um choque de segurança pública em cinco cidades violentas, piloto que seria expandido para todo o país, mas que fracassou.

Os homicídios voltaram a subir em 2020, assim como a letalidade policial, isso em plena pandemia. Houve ainda explosão no registro de armas nas mãos de civis.

"Continuam os problemas de violência, mais armas em circulação e um investimento muito maior do governo em flexibilizar o controle de armas do que implantar políticas de segurança pública mais eficientes", diz a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Veja: Uma breve palavra sobre nossa conversa com o ex-presidente Lula https://bit.ly/3kbDHqq

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